*O Globo
A menos de um ano para completar a maioridade, Matheus Gabriel, que nunca conheceu os pais biológicos, ainda sonha ter uma família. Maria Beatriz, de 10, teve mais sorte. Adotada há pouco mais de uma semana, vive seus últimos dias num abrigo da Tijuca, na Zona Norte. Os dois conheceram o Cristo Redentor na manhã desta quinta-feira, com outras 32 garotos entre 5 e 17 anos. A iniciativa faz parte de uma campanha do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) destinada a incentivar a chamada adoção tardia.
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—Quando a pessoa se habilita para adoção, ela traz em mente o filho idealizado e sonhado. Mas, é muito importante nós apresentarmos para essas pessoas as crianças e os adolescentes reais, aqueles que hoje já podem ser adotados, mas não há ninguém com perfil para essas adoções. A importância (da campanha) é lembrar às pessoas que as crianças e adolescentes reais estão aí e que a adoção é um ato de amor que pode acontecer agora — defende o juiz Sérgio Luiz Ribeiro da 4ª Vara da Infância, de Juventude e do Idoso na capital, sobre a importância da campanha “De braços abertos para a adoção”, que está na sua terceira edição.
Segundo o juiz, o perfil preferido pelas pessoas habilitadas para adoção são as crianças de zero a três anos, sem irmãos nem problemas de saúde. Dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que, no estado do Rio, existem 254 crianças e adolescentes habilitados para adoção que não atendem a essas exigências. Do total, 83,1% são declaradas pardas ou pretas, a maioria é do sexo masculino (59,7%) e mais da metade tem mais de 8 anos de idade.
—Essa é a maior dificuldade na área da adoção a meu ver. Nos temos hoje no Brasil 5 mil crianças e adolescentes aptos à adoção, mas que não são adotados porque não estão no perfil desejado pelos habilitados. O perfil principal (buscado pelas famílias) é de crianças de zero a três anos de idade , sem grupos de irmãos e sem problemas de saúde, que não bate com o quadro que nós temos no serviço de acolhimento no Brasil aptos à adoção. Esse projeto do tribunal, aliado a outro chamado “O ideal é real”, visa chamar atenção para essas crianças e adolescentes. Isso acontece no dia a dia nas Varas da Infância quando as pessoas nos procuram e várias adoções acabam acontecendo em razão disso — explica o juiz, acrescentando que ele mesmo já sentenciou entre dez a 15 casos envolvendo pessoas que pretendiam adotar criança com determinado um perfil e acabou optando por outra, em decorrência dessas iniciativas
No caso dos adolescentes que atingem a maioridade nos abrigos, segundo o juiz, o foco é voltado para desenvolvimento da autonomia deles, buscando moradias que muitas vezes vêm através de ações judiciais, para conseguir aluguel social. Outras ações são voltadas para a profissionalização desses jovens.
—Nesse ano, mais uma vez o Tribunal de Justiça ganhou o Prêmio Innovare, na categoria Destaque, com o projeto “Doe um futuro”, que nós desenvolvemos para conseguir cursos profissionalizantes para os adolescentes, exatamente para garantir essa autonomia deles .
Matheus tem um irmão de 12 anos, de quem só tomou conhecimento no abrigo. Os dois chegaram a ser adotados por uma família da Zona Oeste do Rio, com a qual o adolescente viveu por 10 anos, mas conflitos familiares o levaram de volta ao abrigo há 4 anos.
— Ainda sonho ter uma família, de preferência que compreenda e aceite o meu jeito de ser. Mas o desejo maior é um dia conhecer meu pais biológicos.
A incompreensão da família levou Emanuel, de 16 anos, para um abrigo em Campo Grande, há nove meses.
— Tenho fé de que ainda vou conseguir uma família que me aceite como sou — afirmou o jovem.
José, de 17 anos, que está no abrigo há dois anos, tem um sonho: cursar Direito, para se tornar advogado e lutar pela causa da adoção tardia.
— Quero ajudar as crianças que enfrentam essa situação — revelou.
A maioria das crianças e adolescentes visitou o monumento pela primeira vez. O grupo foi à Capela de Nossa Senhora Aparecida, conheceu um pouco da história do Cristo Redentor e voltou para os abrigos levando presentes.
— Fiquei muito feliz (com a visita). Estava ansiosa — contou Kauanny, de 11 anos, há dois meses num abrigo na Tijuca.
O presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Henrique Carlos de Andrade Figueireira, destacou a importância do evento e a necessidade de chamar a atenção para a adoção tardia:
—Toda ação é sempre válida para chamar a atenção para nossas crianças e as dificuldades que elas enfrentam na vida.