Brasil | 17 de agosto de 2018 15:59

Como pensa João Otávio de Noronha, próximo presidente do STJ

* Jota

Foto: STJ

O ministro João Otávio de Noronha, de 61 anos, assume a presidência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no dia 29 de agosto, doze anos depois de ser indicado para o cargo – pelo Quinto Constitucional – pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.

A pedido do JOTA, o ministro escolheu onze votos que, para ele, simbolizam sua trajetória como ministro e, mais recentemente, entre 2016 e 2018, como Corregedor Nacional de Justiça.

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O ministro é conhecido pelo perfil empreendedor e político e desde que foi indicado para o cargo tem dito que pretende trabalhar por uma “unificação” do STJ. Sete decisões que demonstram o posicionamento de Noronha em matéria de direito de família, direito ambiental, arbitragem e direito civil.

União estável poliafetiva

O Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu, em junho deste ano, que os cartórios brasileiros não podem registrar uniões poliafetivas, formadas por três ou mais pessoas, em escrituras públicas. Seguindo voto de Noronha, que  relatou do processo, a maioria dos conselheiros considerou que esse tipo de documento atesta um ato de fé pública e, portanto, implica o reconhecimento de direitos garantidos a casais ligados por casamento ou união estável – herança ou previdenciários, por exemplo.

“A alteração jurídico-social começa no mundo dos fatos e é incorporada pelo direito de forma gradual, uma vez que a mudança cultural surge primeiro e a alteração legislativa vem depois, regulando os direitos advindos das novas conformações sociais sobrevindas dos costumes”, afirmou o ministro.

Noronha defendeu que “a relação ‘poliamorosa’ configura-se pelo relacionamento múltiplo e simultâneo de três ou mais pessoas e é tema praticamente ausente da vida social, pouco debatido na comunidade jurídica e com dificuldades de definição clara em razão do grande número de experiências possíveis para os relacionamentos”.

Segundo ele, os grupos familiares reconhecidos no Brasil são aqueles incorporados aos costumes e à vivência do brasileiro, e a aceitação social do “poliafeto” importa para o tratamento jurídico da pretensa família “poliafetiva”.

“A diversidade de experiências e a falta de amadurecimento do debate inabilita o ‘poliafeto’ como instituidor de entidade familiar no atual estágio da sociedade e da compreensão jurisprudencial.” Leia a íntegra da decisão.

De acordo com Noronha, uniões formadas por mais de dois cônjuges sofrem “forte repulsa social” e os poucos casos existentes no país “não refletem a posição da sociedade acerca do tema; consequentemente, a situação não representa alteração social hábil a modificar o mundo jurídico”.

Ausência de GRU

Em 2016, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou se a ausência da Guia de Recolhimento da União (GRU) na apresentação de um recurso especial deveria impedir seu conhecimento pela Corte.

Ao analisar o caso, Noronha entendeu que mesmo sem a guia de recolhimento, a pessoa que apresentou o recurso especial juntou os comprovantes de pagamento que contêm a identificação do processo na origem corretamente.

“Como o objetivo do ato de recolhimento das custas e porte de remessa e retorno foi cumprido, aplica-se o princípio da instrumentalidade das formas para superar a ausência das GRUs como óbice ao trânsito do recurso especial”, afirmou o ministro. Leia a íntegra da decisão.

Noronha ponderou que, mesmo sem a GRU, os comprovantes de pagamento bancário contêm informações como o número do processo, a identificação da empresa recorrente por meio do número do CNPJ constante da guia de recolhimento e os valores recolhidos.

Assim, divergiu do relator, ministro Moura Ribeiro – que havia, com base em precedentes do STJ, entendido o recurso como inválido – e deu provimento ao agravo regimental para superar a questão do recolhimento como obstáculo para o trânsito do recurso especial.

Proteção ambiental no reservatório Billings

Em 2006, Noronha manteve a condenação de proprietário de imóvel e do município de São Bernardo do Campo (SP) a remover famílias de local próximo ao Reservatório Billings, que fornece água a grande parte da cidade de São Paulo. O Ministério Público do Estado de São Paulo afirmava, na época, que a construção de um loteamento irregular provocou assoreamentos, somados à destruição da Mata Atlântica.

Na ação civil pública, o órgão pedia a reparação de danos ao meio ambiente.  “A destruição ambiental verificada nos limites do Reservatório Billings – que serve de água grande parte da cidade de São Paulo –, provocando assoreamentos, somados à destruição da Mata Atlântica, impõe a condenação dos responsáveis, ainda que, para tanto, haja necessidade de se remover famílias instaladas no local de forma clandestina, em decorrência de loteamento irregular implementado na região”, afirmou o ministro.

Ao manter a condenação, o ministro afirmou que “no conflito entre o interesse público e o particular há de prevalecer aquele em detrimento deste quando impossível a conciliação de ambos”. Leia a íntegra da decisão.

“Não se trata tão-somente de restauração de matas em prejuízo de famílias carentes de recursos financeiros, que, provavelmente deixaram-se enganar pelos idealizadores de loteamentos irregulares na ânsia de obterem moradias mais dignas, mas de preservação de reservatório de abastecimento urbano, que beneficia um número muito maior de pessoas do que as residentes na área de preservação”, decidiu.

Arbitragem na administração pública

Em 2007, Noronha proferiu um voto sobre o uso da arbitragem na Administração Pública, que ajudou a consolidar o entendimento favorável do STJ sobre aspectos práticos dos instrumento. Um desses aspectos é a ausência de obrigatoriedade da previsão da arbitragem constar no edital de licitação e a exigência da boa-fé de ambas as partes em relação à sua conduta durante e após a arbitragem. O caso envolvia a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) e a AES Uruguaiana Empreendimentos.

“Cláusula compromissória é o ato por meio do qual as partes contratantes formalizam seu desejo de submeter à arbitragem eventuais divergências ou litígios passíveis de ocorrer ao longo da execução da avença. Efetuado o ajuste, que só pode ocorrer em hipóteses envolvendo direitos disponíveis, ficam os contratantes vinculados à solução extrajudicial da pendência”, disse o ministro.

De acordo com a decisão, “a eleição da cláusula compromissória é causa de extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, inciso VII, do Código de Processo Civil”. Leia a íntegra da decisão.

“Submetida a sociedade de economia mista ao regime jurídico de direito privado e celebrando contratos situados nesta seara jurídica, não parece haver dúvida quanto à validade de cláusula compromissória por ela convencionada, sendo despicienda a necessidade de autorização do Poder Legislativo a referendar tal procedimento”, disse.

Ainda segundo a decisão, “são válidos e eficazes os contratos firmados pelas sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços que estipulem cláusula compromissória submetendo à arbitragem eventuais litígios decorrentes do ajuste”.

Concubinato de longa duração

Em 2015, seguindo voto de Noronha, a 3ª Turma do STJ manteve a condenação de um homem ao pagamento de pensão alimentícia para a mulher que conviveu com ele em relacionamento paralelo ao casamento durante 40 anos.

No caso, a mulher, já idosa, desistiu de sua atividade profissional ainda na juventude para dedicar-se ao homem. Este, ao longo dos quarenta anos em que perdurou o relacionamento amoroso paralelo ao casamento, proveu espontaneamente o sustento da mulher.

Segundo Noronha, o reconhecimento da existência e dissolução da união  entre homem e mulher impedidos de se unir por casamento civil, ainda que de longa duração, não gera o dever de pagar pensão alimentícia pois “a família é um bem a ser preservado a qualquer custo”. Leia a íntegra da decisão.

“Nada obstante, dada a peculiaridade do caso e em face da incidência dos princípios da dignidade e solidariedade humanas, há de se manter a obrigação de prestação de alimentos a concubina idosa que os recebeu por mais de quatro décadas, sob pena de causar-lhe desamparo, mormente quando o longo decurso do tempo afasta qualquer risco de desestruturação familiar para o prestador de alimentos”, afirmou.

“Que dano ou prejuízo uma relação extraconjugal desfeita depois de mais de quarenta anos pode acarretar à família do recorrente? Que família, a esta altura, tem-se a preservar? Por outro lado, se o recorrente, espontaneamente, proveu o sustento da recorrida, durante esse longo período de relacionamento amoroso, por que, agora, quando ela já é septuagenária, deve ficar desamparada e desassistida?”, questionou.

Indenização a vítimas de rachas

Para fixação do valor indenizatório nas hipóteses de morte por acidente de trânsito de menor que voluntariamente estava no interior de veículo participando de “racha” ou “brincadeiras”, em afronta às normas de trânsito, deve-se levar em consideração a responsabilidade da vítima morta “em razão da inconsequência de sua própria decisão de participar ativamente”.

“É cabível a fixação de salário mensal em favor dos pais de menores vítimas fatais de acidente de trânsito e oriundos de famílias de baixa renda. Contudo, não comprovado o último requisito, não cabe o pensionamento até a idade em que a vítima completaria 65 anos”. Leia a íntegra da decisão.

Para Noronha, as disposições do artigo 948, II, do Código Civil, são atendidas na hipótese em que o juiz, ao fixar a indenização por danos morais, considera que no montante estão inseridos os valores que seriam arbitrados a título de pensão, entendendo ser mais vantajoso que a família receba a indenização de uma só vez porque não dependia financeiramente do jovem falecido.

O inciso II do artigo 948 diz que, “em caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima”.

“A morte de adolescentes é sempre uma circunstância bastante sofrida, sejam quais forem as causas. Mas, na hipótese dos autos, não se pode, em razão da pungência do ocorrido, deixar de observar que os adolescentes foram vítimas das próprias inconsequências”, afirmou o ministro.

Agiotagem

Em julgamento realizado em 2016, a da 3ª Turma do STJ entendeu que, havendo prática de agiotagem em uma situação de empréstimo pessoal entre pessoas físicas, devem ser declarados nulos apenas os juros excessivos, conservando-se o negócio jurídico com a redução dos juros aos limites legais. Segundo voto de Noronha, o colegiado decidiu que a assinatura de terceiro no verso de nota promissória, sem indicação de sua finalidade, deve ser considerada aval, e não endosso.

No caso, o credor executou uma nota promissória no valor de R$ 500 mil, dada em garantia de empréstimo que o devedor afirma ser de R$ 200 mil. Segundo ele, o montante inicial da dívida foi elevado em razão de juros abusivos, fruto da prática de agiotagem. Leia a íntegra da decisão.

Noronha explicou que existem alguns requisitos para configurar a compensação estabelecida pelo Código Civil. Segundo ele, deve haver duas obrigações principais entre os mesmos sujeitos, ou seja, o credor de uma deve ser devedor da outra, e vice-versa. A respeito da compensação legal, exige-se ainda “terem as prestações por objeto coisas fungíveis, da mesma espécie e qualidade; serem as dívidas líquidas, vencidas e exigíveis”.

De acordo com Noronha, a compensação da dívida pode ocorrer independentemente de a assinatura no verso da nota se tratar de endosso ou aval. O ministro esclareceu que o aval é uma garantia pessoal, específica para títulos cambiais, do cumprimento da obrigação contida no título. Segundo o relator, “o avalista não se equipara à figura do devedor principal, mas é responsável como ele”, inclusive sua obrigação é assumida de forma autônoma, ou seja, independentemente do devedor.

Fonte: Jota