* Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho
É chegada a hora de, parafraseando o mote de Osório Duque Estrada no Hino Nacional, clamar aos filhos de nossa sofrida pátria pelo enfrentamento da luta. No tempo de Nelson Rodrigues, polêmico dramaturgo, jornalista e fanático torcedor do Fluminense, a seleção era a pátria de chuteiras. Hoje, muitos arriscam que seleção — no sentido de brio e garra patrióticos, sem falar no talento e criatividade — já não temos há muito para torcer. Quanto à pátria, sua própria noção se esfumaçou — um pouco pela globalização implacável dos tempos modernos, mas certamente muito mais pela falta de cultivo de um sentimento de nação que, imperceptivelmente, passou à dimensão do abstracionismo.
Ainda outro dia, a presidente da República anunciava que vetaria um projeto de lei de reajuste de servidores do Judiciário da União, por contemplar valores excessivos nestes tempos de crise e contenção de despesas. Não se discute que o veto de projetos de lei aprovados pelo Congresso Nacional seja prerrogativa presidencial. Mas o que o anúncio prematuro do veto provocou? Na mesma noite, em entrevista ao “Jornal Nacional”, acompanhada por milhões de espectadores, o presidente do Congresso Nacional apregoou que poderia o Legislativo derrubá-lo, ficando em consequência o dito pelo não dito e tudo como dantes neste surreal quartel de Abrantes. Ficam os cidadãos brasileiros atônitos diante deste público tiroteio institucional, que, em meio aos potentes holofotes da mídia, parece desservir ao país.
Recentemente, todos assistimos ao estrepitoso escândalo do mensalão, com seus responsáveis punidos, nos limites da lei, pela autoridade incontrastável do STF. Passados poucos meses, vem a operação Lava-Jato trazer à luz do dia — pelo sol que é desinfetante maior — as infâmias e apontados saques de quadrilheiros contra a integridade da Petrobras, até então indiscutido e orgulhoso patrimônio nacional.
A nação, mesmo apreensiva, pode confiar nos seus juízes, como demonstrado pela serenidade e firmeza do ministro Teori Zavascki e do juiz Sérgio Moro, condutores dos processos relativos à Lava-Jato, todos envolvendo apuração de crimes e atentados contra a integridade nacional.
Nesta quadra tão difícil, o direito não pode ceder. A Constituição e as leis da República, conduzidas pela alta responsabilidade de que é investido o Judiciário, não deverão ser repasto de inescrupulosos agentes da mais letal corrupção. Certa feita, ouvi de um dos vultos mais proeminentes de nossa nação, o jornalista Barbosa Lima Sobrinho, que a missão última do Judiciário é fomentar civilização.
Como afirmou o grande poeta luso Miguel Torga, o silêncio dos melhores é cúmplice do alarido dos piores.
Mas, ao cabo dessas singelas reflexões, fica a esperança de que os filhos desta terra, ainda generosa diante de tantas violações, saberão erguer e poderão contar com a clava forte da Justiça.
Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho é presidente do Tribunal de Justiça do Rio
Fonte: O Globo