Notícias | 16 de maio de 2011 17:41

Câmara aceita união de gays, mas se divide sobre adoção de crianças

A Câmara dos Deputados apoia a união estável entre homossexuais, mas está dividida em relação ao direito desses casais de adotar crianças. Levantamento feito pelo GLOBO na última semana mostra ainda que associar a palavra “casamento” à união entre gays é um tabu, mas os deputados reconhecem que a homofobia deve ser considerada um crime.

Entre segunda e sexta-feira, o GLOBO ouviu 320 dos 513 deputados. Desses, 228 cravaram voto a favor da união estável, 86 foram contra, 30 não se manifestaram. Os votos foram registrados em cédula, por telefone e e-mail. Integrantes de todos os partidos foram consultados.

A ampla maioria que aprova a união estável, direito reconhecido em última instância pelo Supremo Tribunal Federal há uma semana, não se repetiu quando o assunto é adoção. Indagados se casais gays devem ter direito a adotar crianças, 145 disseram “não”. Outros 154 apoiam a ideia. Hoje, os homossexuais conseguem na Justiça autorização para adotar crianças, mas o nome de apenas um dos parceiros pode aparecer na certidão da criança.

Boa parte dos entrevistados referendou a proposta de criminalizar a homofobia. Projeto sobre o tema já foi aprovado na Câmara dos Deputados e agora depende de votação no Senado. O texto sofreu alterações e, se aprovado, retornará para novo aval dos deputados. Na enquete feita pelo GLOBO, 217 são a favor de tornar crime as manifestações de preconceito contra homossexuais.

Surpresa com o resultado

Para 175 dos entrevistados, não deve ser permitido o casamento entre homossexuais. Já 115 não veem problema nisso. Na legislação atual, casamento e união estável geram os mesmos benefícios, mas os religiosos insistem em que o primeiro é apenas para celebrar a união entre um homem e uma mulher.

O resultado da enquete surpreendeu até parlamentares que acompanham a questão desde o aparecimento do primeiro projeto sobre o assunto na Câmara, há quase duas décadas. O deputado João Campos (PSDB-GO), um dos líderes da bancada evangélica, rechaçou a tendência indicada no levantamento.

— O resultado da pesquisa não retrata o Congresso, retrata apenas um momento. Se não tivéssemos a decisão do Supremo, certamente o resultado seria outro — disse Campos.

A senadora Marta Suplicy (PT-SP), autora do primeiro projeto sobre união civil entre pessoas do mesmo sexo, quando era deputada, considerou alvissareiro o resultado da votação. Segundo ela, a pesquisa confirma com números a percepção de que, de fato, os parlamentares estariam mais abertos para tratar da temática gay. Ela sustenta que, mesmo assim, o Congresso Nacional estaria atrás do Executivo e até mesmo do Judiciário, que tem emitido sentenças favoráveis aos homossexuais há alguns anos.

— Você não têm ideia de como essa pesquisa é importante. Ela mostra com números o que eu já vinha dizendo de forma intuitiva — disse a senadora petista.

Para ela, o resultado do levantamento pode ajudar deputados a perder o medo de se manifestar a favor de antigas reivindicações do movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros). Só assim seria possível aprovar projetos como a criminalização da homofobia, em tramitação no Senado. Na quinta-feira (12), o projeto teve que ser retirado da pauta por pressão de religiosos e do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), o novo líder do movimento antigay.

O deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), que se elegeu com a bandeira LGBT, também comemorou o resultado da pesquisa.

— Surpreendeu-me positivamente, considerando a omissão do Congresso em relação ao tema. De 1995 para cá, o Congresso não legislou em relação à população LGBT — disse Wyllys.

Em sua estreia como parlamentar, ele quer incluir na Constituição o direito à união estável entre pessoas do mesmo sexo. Hoje, o texto constitucional só fala em união entre homem e mulher. Mas Jean Wyllys não conseguiu o número mínimo de assinaturas (171, um terço do total) para apresentar proposta de emenda constitucional.

O líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), não vê contradição no voto de parlamentares que se manifestaram contra o casamento e a favor da união civil. Para ele, a decisão sobre casamento é exclusiva da religião.

— A união estável resolve o problema civil. O termo “casamento”, para a parte civil, acaba sendo redundante — sintetiza o deputado.

Boa parte dos parlamentares que votou pela tipificação da homofobia como crime fez ressalvas à ideia. Alguns consideram importante que o combate à discriminação de natureza sexual não resulte em restrições à liberdade de expressão e nem crie amarras ao convívio social. Entre os parlamentares atentos às nuances da questão estava Alfredo Sirkis (PV-RJ). Ele só concordou em votar — a favor da criminalização —, depois de fazer algumas ponderações.

— O discurso preconceituoso, piadas de mau gosto ou manifestações genéricas de cunho religioso não devem ser criminalizados — disse Sirkis.

Deputado teme futuro só de gays

Os deputados se mostraram divididos sobre a adoção. Até parlamentares que defendem o casamento gay são mais cautelosos para se declarar contra ou a favor da adoção de crianças por casais homossexuais. O deputado Edinho Bez (PMDB-SC) sugeriu que a criação de filhos por pais gays poderia criar no futuro uma geração só de homossexuais.

— Os filhos vão achar que é natural e vão repetir o comportamento dos pais — disse.

— A orientação sexual dos pais não afeta nem determina a orientação dos filhos. Sou filho de heterossexuais e sou homossexual. Meus irmãos são heterossexuais — rebateu Wyllys.

Entre terça e sexta-feira, parlamentares de PT, PMDB, PSDB, DEM, PDT, PC do B e PTB, entre outros 15 partidos, foram apresentados a uma cédula com quatro questões em que poderiam se manifestar contra ou a favor do casamento e da união estável entre homossexuais. Poderiam aprovar ou rejeitar a adoção de filhos por casais formados por pessoas do mesmo sexo e também a criminalização da homofobia. Os deputados, se quisessem, podiam registrar voto sem se identificar.

Fonte: O Globo