Notícias | 20 de agosto de 2014 14:38

Avalanche de litígios imobiliários

* Juiz Peterson Barroso Simão

De tempos em tempos surgem determinados tipos de demanda em massa, que comprometem a tramitação de todos os processos e, em consequência, a manutenção do nível de excelência do Tribunal de Justiça. Quando constatados esses conflitos específicos, compete ao Poder Judiciário buscar meios de prevenção e rápida composição desses litígios, a fim de garantir uma Justiça célere e eficaz. 

Atualmente, tem-se verificado uma crescente distribuição de demandas que envolvem conflitos imobiliários, em especial aquelas relativas a atraso na entrega de imóvel. Isso faz com que as empresas do ramo imobiliário se tornem candidatas a ocupar o rol das mais acionadas judicialmente, ao lado das instituições bancárias e das concessionárias de serviço público que lideram o ranking. 

É assustador o crescente volume de demandas ajuizadas sobre imóveis adquiridos na planta ou novos já construídos, envolvendo de um lado os consumidores/ compradores e de outro as empresas responsáveis pela incorporação, construção, venda e entrega das chaves. A alegria 
de adquirir um imóvel, principalmente residencial, tem se transformado em lamentáveis transtornos. 

No projeto de construção de imóvel são encontradas basicamente três empresas envolvidas: a incorporadora, a construtora e a consultoria. A atividade da incorporadora é basicamente regulada pela Lei de Incorporações Imobiliárias (Lei n.º 4.591/64) e pela Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei n.º 6.766/79). A incorporadora idealiza o empreendimento e decide sobre o local a ser instalado, o público a quem será direcionado, a metragem adequada de cada unidade, providencia a regularização dos documentos, dentre outras tarefas burocráticas necessárias ao sucesso do negócio imobiliário. 

A construtora, por sua vez, tem a função de materializar aquilo que foi planejado pela incorporadora, ou seja, tem a função de executar a obra. O Código Civil, em seu art. 618, prevê que a construtora fica responsável pela solidez e segurança da obra. Assim, quaisquer vícios relativos à construção do imóvel serão de sua responsabilidade. 

Por fim, a empresa de consultoria fica responsável pela publicidade e comercialização das unidades imobiliárias. Dentre as suas obrigações, a de maior relevância é prestar ao consumidor informação adequada e clara sobre todos os termos do contrato. Isso porque o contato direto com o consumidor não é feito pela incorporadora nem pela construtora, mas sim pela empresa de consultoria, sendo, portanto, quem fica mais próxima ao cliente. 

Para cumprir com seu mister, não basta entregar uma vasta documentação ao consumidor, pois o excesso de informação pode acarretar na desinformação, em razão da dificuldade de compreensão de um extenso texto. Exige-se que o instrumento contratual seja esclarecedor e didático, em linguagem compreensível pelo consumidor, ainda que ele nada entenda sobre o ramo imobiliário.

Interessante que a incorporadora faça uma cartilha resumida a respeito das principais cláusulas, valor das prestações, prazos, juros e demais informações relevantes. 

É importante que, antes da contratação, o consumidor fique atento e compreenda os direitos e obrigações de cada parte do negócio jurídico. No afã de adquirir a casa própria, muitas vezes o consumidor não procura compreender as minúcias do contrato em sua plenitude, o que faz com que posteriormente venha questionar cláusulas, por vezes válidas, mas que não tinha conhecimento simplesmente porque deixou de ler o completo teor do instrumento contratual.

Antes de assumir um compromisso de pagar quantia significativa pela aquisição de imóvel, é recomendável que o consumidor inexperiente faça uma pesquisa e procure melhor entender como funciona as questões relativas ao financiamento, taxas e demais valores a pagar. Em regra, essas três empresas (incorporadora, construtora e consultoria) integram o mesmo grupo empresarial. São criadas três pessoas jurídicas diversas que atuam em conjunto no mercado de consumo, cada qual com uma função diferente, mas todas ostentam a marca do empreendimento imobiliário. 

Embora cada uma tenha suas responsabilidades específicas, as empresas envolvidas respondem de forma solidária por eventuais danos causados ao consumidor. Por vezes, o consumidor não sabe que atrás do empreendimento imobiliário existem várias empresas envolvidas. Ele negocia com a marca que aquelas três empresas se apresentam no mercado. 

Por conta dessa parceria, os Tribunais geralmente reconhecem a responsabilidade solidária, nos termos do art.7º, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor. Não compete ao Poder Judiciário apenas solucionar, mas também prevenir conflitos. Para isso, é preciso adotar medidas que possam reduzir o número de litígios imobiliários. No caso, é possível apontar algumas soluções, como a conciliação préprocessual, a reunião entre entes públicos e empresários do ramo imobiliário em busca de soluções, a uniformização de entendimentos pelos julgadores, dentre outras medidas. 

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro disponibiliza aos consumidores um canal virtual facilitador de conciliação (conciliacaopreprocessual@tjrj.jus.br). O cliente insatisfeito envia um email com sua reclamação, que é encaminhada para empresa, a fim de avaliar o caso e solucionar o conflito em comum acordo com seu cliente. A conciliação pré-processual é mais célere e menos onerosa para as partes, além de evitar a judicialização do conflito. 

A reunião pacífica e conciliadora entre entes públicos e empresários do ramo imobiliário também pode surtir efeitos positivos. Sugere-se que não sejam concedidas novas licenças para construir àquela incorporadora que tem algum empreendimento em atraso. Isso evita que falhas por ela já cometidas se perpetuem em novas incorporações. 

Ainda, é preciso que as Câmaras Especializadas em Direito do Consumidor uniformizem seus entendimentos, a fim de orientar o Magistrado de primeira instância. Quando uma sentença é prolatada com base em entendimento pacificado pela segunda instância do Tribunal de Justiça, as partes ficam desestimuladas a interpor recurso, pois sabem que as questões de direito estão uniformizadas. 

Os esclarecimentos e caminhos acima sugeridos visam garantir o acesso a uma Justiça célere e a uma prestação jurisdicional eficaz. Quem já teve a experiência de comprar e vender imóveis é possível que tenha vivenciado algum dissabor, estresse, prejuízo, ou afronta a direitos basilares. Para o caso, registre-se a frase de Judith Stern: “A experiência é um pente que a vida nos dá depois que perdemos os cabelos”.

Fonte: Jornal do Commercio