A presidente da AMAERJ, Renata Gil, escreveu nesta quinta-feira (14) em “O Globo” artigo em que critica o rezoneamento eleitoral imposto recentemente pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O artigo foi publicado em espaço nobre da página 19, destinada a textos analíticos selecionados pela Editoria de Opinião do mais importante jornal diário brasileiro.
Para a dirigente da entidade representativa dos magistrados fluminenses, o rezoneamento, ao extinguir cerca de mil zonas eleitorais, ignora a realidade do país, compromete a fiscalização dos pleitos e ameaça a lisura da talvez mais importante eleição dos últimos tempos, a que escolherá em 2018 o novo presidente da República em momento tão conturbado da política brasileira.
Leia abaixo o artigo na íntegra:
Redivisão sem critério
Fim de zonas eleitorais não pode se basear só no número de eleitores
O TSE determinou recentemente a extinção de quase mil zonas eleitorais. O prazo final para a implantação da medida se encerra na segunda quinzena de outubro. Assusta o tempo exíguo para a extinção, especialmente em razão da reforma política em discussão na Câmara, que inclui modificações estruturais nas regras eleitorais, a serem aplicadas em meio a esse processo de desmanche da Justiça Eleitoral.
A justificativa de economia de recursos públicos não foi até agora demonstrada pelo TSE, que — em estimativa superficial — não leva em consideração os custos dos eleitores e do próprio cumpridor de diligências dos cartórios eleitorais ao se deslocarem de uma localidade a outra, distante.
Quem realiza eleições são os Tribunais Regionais Eleitorais, não o TSE, que apenas disciplina o processo. A escolha dos locais de votação, o treinamento de mesários, o atendimento ao eleitor e a emissão de títulos são responsabilidades dos TREs. Por isso, a Constituição autorizou o legislador complementar a dispor sobre a competência dos tribunais eleitorais e, assim, permitiu que somente estes criem ou fechem zonas eleitorais.
A criação de zonas eleitorais é precedida de rigorosas visitas aos locais e estudos populacional (estimativa de crescimento e migração) e de características locais. O mesmo deveria ocorrer com a extinção, que não pode ter como único critério o número de eleitores por zona.
A excessiva objetividade da resolução ignora realidades do país. No Rio — o estado mais afetado — tememos sérios problemas. Podem se reunir em apenas uma zona eleitoral moradores de comunidades com território dominado por grupos criminosos rivais — como o Complexo da Maré, com quatro facções — ou de favelas vizinhas com bandidos adversários, como Fallet e São Carlos e os morros da Coroa e do Fogueteiro, na área central do Rio.
Na prática, isso excluirá do pleito os eleitores residentes em área dominada por um grupo rival ao dos traficantes que controlam a região onde estiver a zona eleitoral. Quantas vezes não lemos nos jornais que o morador inocente de uma localidade foi assassinado por estar em área dominada por criminosos de grupo rival ao de sua favela?
Em outro exemplo menos extremo, mas também grave, municípios como Armação dos Búzios e Arraial do Cabo estarão submetidos a outra cidade, Cabo Frio, distante e com um grande número de eleitores. A fiscalização será reduzida, assim como o deslocamento de eleitores das zonas extintas, prejudicando a lisura da eleição e o sufrágio garantido pela Constituição.
Há casos por todo o Brasil. Em Paraipaba (CE), uma zona eleitoral criada em 2015 será extinta dois anos depois. Os eleitores serão anexados à comarca de Paracuru. Mas não há transporte público entre os municípios.
O fim de uma zona eleitoral afasta o juiz e o promotor eleitoral da cidade. A fiscalização do abuso de poder político e econômico será severamente prejudicada. Não há benefícios para a sociedade na decisão do TSE em país com dimensão continental e características regionais tão marcantes. Ao contrário, a medida ameaça perigosamente o exercício da soberania popular, exercida pelo sufrágio universal, artigo fundamental da Constituição.
Renata Gil é presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro e vice-presidente institucional da Associação dos Magistrados Brasileiros