A juíza Raquel Chrispino (coordenadora do Projeto de Erradicação do Sub-Registro da Corregedoria Geral da Justiça do Rio de Janeiro) conheceu de perto o Programa Pronto Atendimento Itinerante (PAI), que promove o acesso dos moradores das cidades mais distantes de Manaus a documentos básicos, como o registro civil de nascimento e a carteira de identidade. Ela viajou de barco pelo interior do Amazonas por dez dias e constatou as dificuldades do local.
“Experiência incrível e única. O contato com algumas cidades daqui é muito difícil, pois não há estradas. O acesso é somente por vias aérea e fluvial”, disse.
O programa é mantido pelo governo estadual local em convênio com órgãos e instituições, como o Tribunal de Justiça, e coordenado pelo Comitê Gestor Estadual de Erradicação do Sub-Registro do Amazonas. Segundo estatísticas do IBGE, o estado ainda enfrenta um grave problema de sub-registro de populações indígenas e ribeirinhas.
Raquel Chrispino conheceu o município de Eirunepé, um dos mais distantes de Manaus, cercado por aldeias indígenas das etnias Kanamari e Kulina. A cidade, que tem cerca de 35 mil habitantes, apesar de ter um Fórum, não conta com a presença diária de um magistrado.
“Eles não comparecem na proporção das necessidades da população, que se ressente de uma presença mais efetiva desses atores do sistema de Justiça.”
A cidade enfrenta também problemas estruturais nos serviços públicos. “Há muitos meses, não há emissão de carteiras de identidade na cidade por falta de formulários. O cartório de registro civil tem dificuldades estruturais imensas. No único Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) de Eirunepé só há uma psicóloga e uma assistente social. Os índios vêm para a cidade e ficam alcoolizados andando pelas ruas.”
A juíza contou ainda que, no único e pequeno hospital local, mantido pela Fundação Nacional do Índio (Funai), há registros de casos de tuberculose e doenças de pele nos indígenas, além de relatos sobre aumento do número de suicídio entre eles. “Temos em nosso país um drama semelhante ao da África, de miséria e de falta de acesso.”
Para Chrispino, a viagem é uma oportunidade para refletir sobre os pontos em comum com os desafios enfrentados no TJ-RJ. “No Rio, a falta de acesso é um problema social, pois há locais muito próximos de nós, mas completamente isolados e inacessíveis em razão dos problemas de segurança pública.”