Afeito a encenações marcadas pela busca obsessiva da singularidade, o diretor Roberto Alvim entrega, de fato, uma experiência ímpar nesta potente montagem. Ele mesmo adaptou para os palcos os três textos finais de Samuel Beckett (1906-1989), Para o Pior Avante, Companhia eMal Visto, Mal Dito — uma espécie de testamento artístico, síntese da visão do autor irlandês sobre o mundo. Em cena o tempo todo e praticamente inertes, Paula Spinelli, Juliana Galdino e Nathalia Timberg encarnam o que parece ser uma mesma figura feminina em três fases da vida.
No jorro de palavras proferidas pelas atrizes vislumbram-se questões humanas tão caras a Beckett, como memória, finitude, solidão e alteridade. Avise-se: ancorada fortemente em um texto fragmentado, sem encadeamento linear, a montagem requer certa adesão do público para melhor absorção de cada frase. Mais importante do que seus significados, no entanto, é a bem-sucedida associação entre as experimentações linguísticas de Beckett e sua interpretação pelo soberbo elenco. Aqui reside o grande mérito do diretor: a confecção de uma espécie de partitura vocal que, com suas modulações de tom, guarda uma insuspeita musicalidade, reforçada na discrição algo enigmática de cenário (de Alvim) e figurinos (de Juliana). A extrema economia de movimentos das três atrizes não esconde um minucioso trabalho corporal.
Com a qualidade de atuações tão uniformemente alta, seria até injusto apontar destaques individuais. Mas a presença de Nathalia Timberg, uma das maiores intérpretes do país, do alto de seus 85 anos, deixa naturalmente a respiração do público em suspenso (60min). 16 anos.
Espaço Sesc — Mezanino (72 lugares). Rua Domingos Ferreira, 160, Copacabana, tel.: 2547-0156. Quinta a sábado, 21h; domingo, 20h. R$ 20,00. Bilheteria: a partir das 15h (qua. a dom.). Até o dia 28. Estreia prometida para sexta (5).
Fonte: Veja Rio