Notícias | 10 de julho de 2014 07:23

A vida solitária nas cidades

*Siro Darlan

Viver em grandes cidades é um exercício de solidão na multidão. A vida urbana, a arquitetura e o urbanismo nas metrópoles fazem com que voltemos ao início da civilização, quando não havia linguagem escrita e vivíamos no isolamento da imensidão de terras ainda não habitadas. Nas grandes urbes, as edificações são o reflexo das classes sociais. Enquanto os ricos vivem em moradas de luxo, próximo dos serviços e do lazer e com comodidade,os pobres são categorizados segundo o espaço que habitam e a falta de comunicação com o exterior.Na periferia e nas favelas faltam serviços públicos e áreas de lazer. O transporte é caro, longe e de péssima qualidade.

O progresso dos meios de comunicação das redes sociais criados para aproximar as pessoas paradoxalmente as afasta, isolando- as — eis que transformaram o universo imenso numa telinha de computador onde tudo encontram e tudo fazem: compram, vendem, ouvem músicas, assistem a filmes, conversam, interagem e até fazem sexo sem o contato físico.

Esse egoísmo comunicacional atinge até mesmo os animais contaminados pela neurose urbana, que adquirem as mesmas doenças psicóticas dos humanos, chegando até ao suicídio. O isolamento das pessoas, além das doenças refletidas nas grandes cidades, leva ao desgaste físico e mental, aumentando o consumo de medicamentos psicotrópicos e inibindo os exercícios físicos.

A falta de comunicação e de contatos físicos também traz consequências psicológicas no próprio desempenho sexual, levando à falta de libido e impotência,além das doenças já epidêmicas como diabetes, hipertensão e obesidade. Apesar dessas conquistas na área da comunicação, o homem se sente oprimido e deprimido por essa falta de interação; a arquitetura e o urbanismo refletem esse drama nas coisas mais simples, como o excesso de fios que impede a visão do céu, das nuvens e das estrelas.Ateia criada pelas fiações prejudica até mesmo as expressões culturais mais importantes,como a literatura e a poesia, porque nos afasta de nossas tradicionais e universais inspirações.

O excesso de construções não planejadas, criando contrastes entre os estilos e o social, faz surgir espaços neutros e de pouca utilidade que chamam de ‘medianeras’, onde o consumismo tira proveito com publicidade. Alguns, mais inspirados e criativos, buscam ali possibilidades ilegais de se encontrar com a luz, o ar e o mundo exterior.

Prospera cada vez mais o uso dos aparelhos eletrônicos para que cada um olhe para si sem ver o outro. Assim é que cada vez mais as pessoas buscam se retratar em autorretratos, os chamados ‘selfies’, ainda que tenham do seu lado pessoas atraentes, charmosas e interessantes.

No fundo, essa neurose urbana leva as pessoas a se procurar sem se encontrar. Muitas vezes vivem porta com porta, mas não se encontram porque não se comunicam. São como as ruas paralelas, que estão tão próximas, mas tão distantes. Enfim, olhar na tela de computador é uma busca do outro olhando para o espelho da informática. A tecnologia é de suma importância para o progresso da humanidade, mas nada será tão importante quanto o olhar para o outro com sensibilidade e respeito.

**Siro Darlan Oliveira, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, é membro da Associação Juízes para a democracia. – sdarlan@tjrj.jus.br

Fonte: O Dia