Artigos de Magistrados | 11 de setembro de 2017 13:38

‘Unidades superlotadas recuperam os adolescentes?’, questiona Sérgio Ribeiro em ‘O Globo’


O artigo “A redução é a solução?”, escrito pelo juiz do TJ-RJ Sérgio Ribeiro, diretor de Direitos Humanos e Proteção Integral da AMAERJ, foi publicado nesta segunda-feira (11) no jornal O Globo. No texto, ele escreve sobre a proposta de revisão do Estatuto do Menor. Leia na íntegra o artigo:

A redução é a solução?
Será que as unidades de internação superlotadas favorecem o trabalho para recuperar os adolescentes?

Diante da escalada desenfreada da violência, surgem reações apresentando o que seriam soluções para sua contenção. A proposta de redução da maioridade penal é uma delas, encontrando grande eco na sociedade. Porém, mais uma vez, a resolução de um problema é buscada atacando a consequência, e não a causa. Logo, nunca será solução efetiva.

Mais importante que discutir a redução da maioridade penal, ou mesmo sua mantença com a extensão do período de internação, muito mais crucial é a preocupação com o trabalho a ser realizado com o adolescente infrator. Não podemos olvidar que em seis meses, ou ao final de quantos anos forem determinados, o adolescente infrator retornará ao convívio da sociedade. A questão que se põe é: como ele estará ao ser reintegrado à sociedade? Ressocializado? Com interesse pela escola? Com encaminhamento profissional? Será que as unidades de internação superlotadas favorecem o trabalho para recuperação desses adolescentes?

Há quem diga que, ao menos, esses adolescentes ficariam “fora de circulação” por mais tempo. A falta de investimento em educação, saúde, assistência etc favorece o ingresso, aos borbotões, de mais adolescentes na área socioeducativa. E aqueles adolescentes “fora de circulação”, mais cedo ou mais tarde, sairão das unidades de internação.

Hoje, quase todas as unidades de internação de adolescentes infratores no estado encontram-se superlotadas; há um déficit de 32 Conselhos Tutelares e 16 Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas) somente no município do Rio; também é necessária a nomeação imediata de 250 assistentes sociais, bem como criação de algum programa para a liberdade assistida, que é de competência municipal. No município do Rio não há qualquer programa para trabalhar as medidas socioeducativas em meio aberto. Esse trabalho evitaria que os adolescentes que cometeram atos infracionais menos graves viessem a reincidir e a ingressar na internação. Mesmo na área protetiva, há casos de adolescentes que não conseguem frequentar a escola porque a instituição de acolhimento não lhes fornece uma calça comprida, ou um tênis.

Fica então a pergunta: no dia seguinte ao da redução da maioridade penal, ou do aumento do prazo de internação, todas essas questões estruturais serão resolvidas? Ou os problemas reais continuarão escamoteados, perpetuando-se a falácia da eficiência de medidas que em nada irão minimizar esse círculo vicioso? É preciso enfrentar a problemática do adolescente infrator de forma profissional e articulada, com investimento público competente. Projetos duradouros de investimento nas crianças e adolescentes poderão, de fato, mudar o país, apesar da falta de apelo público.

* Sérgio Luiz Ribeiro de Souza é juiz da 4ª Vara da Infância e da Juventude e presidente da Coordenadoria Judiciária de Articulação das Varas da Infância, Juventude e Idoso (Cevij) do TJRJ