AMAERJ | 03 de fevereiro de 2017 14:30

Revista FÓRUM: O presidente pacificador

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POR RAPHAEL GOMIDE

O desembargador Milton Fernandes assume o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em meio à crise, tendo de restabelecer a relação com os outros Poderes

No sábado 17 de dezembro, o desembargador Milton Fernandes de Souza curtia tranquilamente o fim de semana em São Paulo, já em ritmo de final de ano, com as filhas, genros e netos, quando passou a receber seguidas mensagens no celular. Eram colegas desembargadores.

Eles sugeriam que concorresse à presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Aos 64 anos e um dos cinco mais antigos membros do TJ-RJ, Milton Fernandes havia se candidatado a corregedor-geral, mas não vencera no segundo escrutínio. O eleito fora Cláudio de Mello Tavares. Após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que julgara inconstitucional a recondução de presidente de tribunais, o TJ-RJ teria novas eleições na segunda-feira (19), dali a dois dias. E Fernandes deixara o Rio sexta-feira dizendo que não seria candidato. As mensagens balançaram o desembargador, mas ainda na segunda-feira não estava certo de que disputaria o pleito. Decidiu-se só no último momento. Derrotou a desembargadora Maria Inês Gaspar, por 101 votos a 41. Aos 65 anos, será o presidente do TJ-RJ no Biênio 2017-2018.

Leia a entrevista que Milton Fernandes concedeu no fim de dezembro, no gabinete sem funcionários.

FÓRUM: Quando o sr. se tornou juiz de carreira, em 1981, poderia imaginar que um dia seria presidente do tribunal?
Milton Fernandes de Souza: Jamais pensei nisso.

FÓRUM: Até recentemente mesmo possivelmente o sr. nem imaginava?
FERNANDES: Saí daqui na sexta-feira dizendo que não seria candidato. Mas começaram a surgir outras mudanças. Houve uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal em relação ao Tribunal de Justiça da Paraíba estabelecendo um novo critério, dos cinco mais antigos elegíveis. Eu estava em São Paulo no sábado de manhã, tranquilo, vendo minhas filhas. Embora sejam todas cariocas, uma delas mora em São Paulo e a outra fica indo e voltando. Estava lá com meus genros, minhas filhas, quando começaram a vir as mensagens. Quando cheguei no Rio de Janeiro, na segunda-feira, mesmo assim era incerto, porque eu não sabia se iria concorrer.

FÓRUM: Qual foi o momento decisivo?
FERNANDES: Na hora em que foi dito quais eram os candidatos. Só os dois, então eu falei: “tudo bem”. Aí eu concordo. Era o que eu tinha prometido.

FÓRUM: Muita gente pediu para que o sr. fosse candidato?
FERNANDES: Muita gente falou: “concorre, concorre!”

FÓRUM: Mas a decisão foi naquele último momento.
FERNANDES: Eu já tinha estabelecido um critério. Só vou concorrer se for naquele critério rígido da Loman, senão não concorreria.

FÓRUM: O sr. temia que houvesse algum problema depois?
FERNANDES: Exatamente. O tribunal do Rio tem de ser pacificado, acabar com isso. Fica indo para Brasília, vai e volta [refere-se a recursos a decisões do TJ-RJ feitos ao STF e ao STJ]. Aí deu esse resultado, que nem eu…

FÓRUM: Até semana passada então o sr. não imaginava que presidiria o tribunal em 2017?
FERNANDES: Eu não! Já tinha descartado essa questão, porque concorri à Corregedoria e perdi para o desembargador Cláudio de Mello Tavares, e já tinha descartado. Já tinha desfeito meu pensamento, minha vida.

FÓRUM: Como é chegar à presidência em um momento de crise financeira e política? O sr. disse que pretende pacificar o tribunal, mas também tem que pacificar a relação com os outros Poderes.
FERNANDES: Isso é o mais importante. Pacificar o tribunal é em termos, porque o tribunal já está relativamente pacificado. Temos de tirar algumas arestas e fazer alguns ajustes necessários. E tentar conversar com os demais Poderes, que estão sofrendo pressão de todos os lados, inclusive em questões inimagináveis para mim e para nós.

FÓRUM: O sr. não participou de nenhuma negociação nesse período estando fora da administração.
FERNANDES: Não participei.

FÓRUM: Como o sr. vê de fora o contato com o Executivo? Acha que será difícil essa relação?
FERNANDES: Não sei. De minha parte, vamos tentar fazer um bom contato. Não sei se vai ser bom ou ruim. Espero que tenha uma boa resposta. É lógico que em determinados momentos teremos de ser mais duros, mais rigorosos, porque não podemos abrir mão de certas prerrogativas. Não conheço o pessoal do Executivo, conheço muito superficialmente. Não sou um político, não sou nem um bom político, para dizer a verdade.

FÓRUM: O sr. acha que vai ter que exercitar esse lado?
FERNANDES: Sem dúvida, é a presidência. Vamos trabalhar institucionalmente. Não vou fugir às minhas características: nunca fugi e não vou fugir agora.

FÓRUM: Quais são suas características principais? Como se define?
FERNANDES: Procuro harmonizar, com tranquilidade, conversar com todos. As pessoas dizem que sou sério e antipático. Realmente eu sou sério, mas antipático nem tanto… [sorri] Com o tempo, as pessoas vão vendo que não é bem assim. Vamos conversar, tentar resolver. Isso é porque não fico rindo muito e minha sobrancelha gruda uma na outra… Por isso as pessoas dizem que sou muito sério.

FÓRUM: O sr. já dirigiu o Fundo Especial do TJ-RJ. Qual é a importância do Fundo para a autonomia e a independência do tribunal?
FERNANDES: O Fundo é essencial para a autonomia e independência do Judiciário. O Fundo estava bem entregue, pelo que sei, na mão do desembargador Camilo Rulière. O presidente Luiz Fernando nesse aspecto conduziu muito bem a administração.

FÓRUM: Conforme acordo recente no STF, o TJ-RJ terá de usar o Fundo para pagamento. Em um médio prazo, isso coloca o Fundo em risco?
FERNANDES: Não sei, não tenho ainda as informações exatas sobre a capacidade financeira do Fundo agora. As informações que tenho são informais e boas. Se são boas e se eles fizeram, não deve botar em risco, isso tudo é sempre calculado tranquilamente.

FÓRUM: Mas se o Fundo for usado para o pagamento de vencimentos for se prolongando por muito tempo pode ser um problema?
FERNANDES: Pode ser um grande problema.

FÓRUM: O Fundo foi o responsável pelo grande avanço de investimentos do tribunal.
FERNANDES: Exatamente.

FÓRUM: Quais são os outros desafios do biênio? Que marca o sr. gostaria de imprimir no tribunal?
FERNANDES: O principal desafio é a questão financeira, não temos nada diferente disso. O resto, o tribunal já tem uma boa estrutura, já caminha bem, consegue produzir um bom resultado para a sociedade, o resultado de judicatura. Temos uma boa estrutura que foi criada ao longo dos anos, um pouco diferente para um, cada um tem suas ideias e ideologias. A ideia é exatamente levar mais a frente e procurar manter a excelência do Tribunal de Justiça.

FÓRUM: A AMAERJ atualmente tem representantes em comissões do tribunal. Os juízes continuarão integrando as comissões?
FERNANDES: Sim. O que já tem fica.

FÓRUM: O sr. é magistrado há 32 anos, exatamente a metade como juiz e a outra como desembargador. Como conhecedor por igual período das duas instâncias, de que melhorias precisam?
FERNANDES: Alguma melhoria estrutural que já começou a ser feita. A segunda melhoria é a informática. A informatização é necessária e é uma questão muito difícil para resolvermos porque exige investimento muito grande, é tecnologia que muda toda hora.

FÓRUM: Que ações são necessárias para reduzir a litigiosidade?
FERNANDES: Isso é complicado. Vamos tentar na mediação, que é um dos caminhos para procurar reduzir a litigiosidade. Em tempos de crise, a litigiosidade aumenta porque qualquer dinheirinho faz diferença. As pessoas procuram tirar dinheiro de qualquer lugar.

FÓRUM: Como vê a posição de protagonismo que o Judiciário tem atualmente?
FERNANDES: Está cumprindo o papel do Judiciário, julgando conforme o ordenamento jurídico, conforme a lei.

FÓRUM: Hoje existe uma série de projetos de lei que afetam o Judiciário e a magistratura. O senhor acha que o Judiciário está sob ataque?
FERNANDES: Acho que, em determinado aspecto, sim. Alguns desses projetos são nitidamente de revanche para tirar o poder. Algumas poucas medidas foram claramente de revanche, como o abuso de autoridade. O juiz tem de julgar, ele vai julgar conforme seu convencimento. Se a sentença mudar no segundo grau é porque a forma de convencimento do colegiado é diferente da do juiz.

FÓRUM: O senhor pensa em ter uma atuação na defesa da magistratura e do Judiciário?
FERNANDES: Sim, na medida do possível.

FÓRUM: O que o sr. faz no seu lazer, pratica esportes? Vi uma foto sua praticando kickboxing.
FERNANDES: Eu não sei de onde eles tiraram isso! Foi há muitos anos, não faço mais, já passei dessa idade. Sempre fiz esporte, também fiz artes marciais, como kickboxing e jiu-jitsu, mas pratiquei por muito pouco tempo. Pratiquei por muito pouco tempo. Sempre faço exercício. Jogo tênis, não mas tenho ido muito ultimamente. Tenho jogado mais golfe do que tênis. Golfe é um esporte de velho, você vai ficando mais velho e vai evoluindo… O golfe é mais tranquilo. Pratico há cinco anos. Gosto muito.

FÓRUM: Qual é a sua mensagem para a magistratura?
FERNANDES: Vamos trabalhar juntos para um objetivo comum: excelência do tribunal, excelência da magistratura, respeito – o respeito não se impõe, respeito se constrói.

Veja aqui a íntegra da revista FÓRUM.