AMAERJ | 22 de novembro de 2016 12:27

Revista FÓRUM: O corregedor dos corregedores

noronha

POR RAPHAEL GOMIDE

O ministro do STJ João Otávio Noronha defende que aprovados em concurso passem os primeiros dois anos na escola da magistratura “aprendendo a ser juízes”

O corregedor nacional de Justiça João Otávio Noronha, 59 anos, estava exausto na noite de quarta-feira (5 de outubro). Passara horas em uma tensa e desgastante sessão no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que decidiu caber à Assembleia Legislativa de Minas Gerais autorizar a abertura de ação penal contra o governador de Fernando Pimentel (PT), réu na Operação Acrônimo. Depois, ainda teria uma reunião administrativa com a presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Cármen Lúcia. A entrevista para a Fórum só começaria por volta das 20h.

Ministro desde os 46 anos, foi aprovado em primeiro lugar para a magistratura, em 1987, mas seguira na bem-sucedida carreira de advocacia. A função de corregedor, que desempenha desde agosto, não é novidade para Noronha. Antes, fora corregedorgeral da Justiça Federal (de 2011 a 13) e da Justiça Eleitoral (2013-2015). Ele afirmou que pretende ser “o corregedor dos corregedores”, um “auditor” dos tribunais.

Noronha critica a espetacularização da Lava-Jato, mas defende o juiz federal Sergio Moro – “tem cumprido rigorosamente a legislação”. O ministro é a favor do fim do efeito suspensivo do recurso de apelação como regra, para tornar exequíveis as decisões judiciais de primeiro grau. “Se a decisão pode ser executada, mesmo que a parte recorra, por que vai ficar recorrendo? Não vai ter mais o recurso protelatório.”

Ex-diretor-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), Noronha considera que os juízes recém-aprovados deveriam, “apesar da resistência dos presidentes de tribunais”, passar dois anos na escola de magistratura “aprendendo a ser juiz, a lidar com as partes, com os advogados, estudar deontologia jurídica, aprender psicologia judiciária, como se
faz audiência quando se tem jovem, família”. Leia sua entrevista à FÓRUM.

FÓRUM: O sr. considera que a atuação do juiz mudou de 30, 40 anos atrás para hoje? Qual é o papel do juiz contemporâneo?
João Otávio Noronha: Sim. O juiz contemporâneo tem de estar atento ao que ocorre na sociedade. Não é mais um juiz de gabinete. Tem de captar e entender o substrato social, até para que possa adequadamente interpretar os textos da lei e daí extrair a norma.

FÓRUM: A Justiça assumiu um protagonismo nacional. O sr. acha que a Operação Lava-Jato tem um papel nisso?
NORONHA: Não é que tenha assumido protagonismo. A Justiça não é para ser protagonista. Os indiciados da Lava-Jato é que são os verdadeiros protagonistas. Moro tem cumprido rigorosamente a legislação. Se erra por vezes, é normal errar. Nós muitas vezes revemos nossa posição. O que é importante destacar é que o índice de acerto é muito alto. E às vezes ele solta os que entende que não deve ficar presos. E as decisões têm sido confirmadas nos tribunais superiores.

FÓRUM: O ministro Teori criticou a espetacularização da apresentação do MPF da denúncia contra Lula. O sr. também vê isso? É algo a ser combatido ou faz parte?
NORONHA: Não vi alguma, não, vi muita [espetacularização]! O ministro Teori Zavascki está corretíssimo. Fez o diagnóstico acertado dessa atuação. Como é que pode divulgar aquilo que nem sequer foi apreciado pelo Judiciário? Não se sabe nem se a denúncia seria ou será aceita.

FÓRUM: Em março, o sr. respondeu duramente ao ex-presidente Lula quando ele afirmou que o STJ estava “acovardado”. O sr. disse que o STJ “não é uma casa de covardes”. Por que decidiu defender publicamente a Casa?
NORONHA: Não tendo havido resposta institucional da instituição e eu sendo um dos decanos, entendo que a Casa que integro não pode ficar indefesa.

FÓRUM: A morosidade é muitas vezes apontada como um dos problemas do Judiciário. Quais são as principais causas, em sua opinião?
NORONHA: Primeiro, o excesso de judicialização pelo Estado; em segundo, do sistema recursal extremamente liberal, que permite que qualquer decisão seja impugnada, permitindo que sejam alçadas aos tribunais superiores. Em terceiro, a indústria de advocacia nos segmentos de bancos, fundos de previdência, Saúde, telefônicas… A maioria improcedente.

FÓRUM: Neste momento (dia 5 de outubro), o STF está julgando se uma pessoa pode ser presa após condenação em segundo grau. Qual é a sua opinião sobre esse tema?
NORONHA: A decisão do ministro José Antonio Dias Toffoli, de aguardar a decisão do STJ, foi equilibrada. As pessoas precisam entender que é possível, nos casos de manifesta injustiça – em que as teses são reprovadas pelos tribunais superiores – atribuir efeito suspensivo ao recurso. (Está 4 a 4 a votação. Minutos depois, estaria 5 a 5. Por fim, a presidente Cármen Lúcia votaria a favor da prisão após condenação em segunda instância) de modo que se evitaria uma injustiça. Usando o próprio sistema recursal.

FÓRUM: Há solução para o congestionamento do Judiciário? Qual é o caminho?
NORONHA: Tem. Precisamos mudar o sistema recursal: retirar o efeito suspensivo do recurso de apelação como regra. Poderá ser dado pelo juiz caso a caso. O que, de certa forma, torna exeqüíveis de plano as decisões judiciais de primeiro grau. Explico por quê. Se a decisão pode ser executada, mesmo que a parte recorra, por que vai ficar recorrendo? Não vai ter mais o recurso protelatório.

FÓRUM: O sr. foi diretor-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM). Na sua opinião, como deve ser a formação do magistrado?
NORONHA: A formação do magistrado é um grande investimento que o país precisa fazer. Prestigiar as escolas. Não acredito que deva ir para a vara sem passar antes por dois anos na escola de magistratura. Aprendendo a ser juiz! Lá não é para aprender Direito Constitucional, Civil! Lá ele vai aprender a ser juiz, a lidar com as partes, com os advogados, estudar deontologia jurídica, aprender psicologia judiciária, como se faz audiência quando se tem jovem, família. Isso é o que precisamos. Mas somos muito atrasados, há muita resistência dos presidentes de Tribunais. Quando termina o concurso, querem o juiz correndo na vara. E o pior: colocam um juiz despreparado, gasta um tempo enorme, pega vícios, demora um tempo enorme para corrigir.

FÓRUM: O sr. já sugeriu também que o juiz precise advogar por um período antes de exercer a magistratura. Por que acha importante?
NORONHA: É importante aprender a lidar e a ter a visão do outro lado. [Suspira, cansado]

FÓRUM: Em 1987, o senhor foi aprovado em primeiro lugar no concurso público para juiz de Minas Gerais, mas continuou na advocacia. Por que naquele momento não quis exercer a magistratura?
NORONHA: Naquele momento foi uma opção pessoal: eu estava muito bem-sucedido na advocacia, achei que poderia esperar um pouco. Depois entrei para o STJ em 2002, aos 46 anos.

FÓRUM: Antes de assumir a corregedoria nacional, o sr. foi corregedor-geral da Justiça Federal (2011-13); e entre 2013 e 2015 e da Justiça Eleitoral. Tem muita experiência na área. Disse querer prestigiar o trabalho das corregedorias estaduais e pretender exercer papel de “auditor” dos tribunais. O que seria isso?
NORONHA: Ser o corregedor das corregedorias. Fazer com que atuem como corregedorias. Se apuram, instruem bem o processo, não preciso fazer aqui, fazê-los fiscalizar de perto, próximo.

FÓRUM: E esse trabalho é feito de forma adequada nos estados?
NORONHA: Está começando a ser feito, melhorando muito, estou muito atento. Em alguns casos mais graves, certamente faremos requisição. Mas a regra é que o processo deve começar e terminar lá. Se verificar que a solução do caso não foi correta, avocaremos e faremos uma revisão disciplinar.

FÓRUM: O sr. pensa em uma modernização do processo administrativo?
NORONHA: Sim, é possível e preciso melhorar o procedimento. Informatizar tudo. Minha pretensão é que todos os processos das corregedorias dos Estados sejam informatizados, e daqui terei acesso sem necessidade de pedir documento.

FÓRUM: Hoje, cada tribunal tem normas próprias. A AMAERJ considera que uma uniformização das regras facilitaria o trabalho interno das corregedorias e reduziria a carga do CNJ. É possível e viável uma uniformização? Tem alguma proposta nesse sentido?
NORONHA: É viável. Vamos estudar. Talvez não dê para acabar no meu período, mas é preciso começar.

FÓRUM: O TJ-RJ acaba de aprovar no regimento interno a sustentação oral dos magistrados ainda na fase preliminar, antes da abertura do PAD, sob o argumento de que é possível haver afastamento cautelar. Assim, a ampla defesa deveria já valer nesse momento.
NORONHA: O magistrado já faz defesa prévia, faz sustentação oral antes do voto… Pode fazer defesa oral, não tenho nada contra. Mas se abre PAD é para que ele exatamente se defenda. É que estamos dando uma conotação equivocada. Como se abrir o PAD fosse uma punição, e não é. Depois vai querer que seja antes do antes do antes… Verifica se tem indício para abrir o PAD, vai ter toda oportunidade de defesa: pode peticionar, fornecer documento.

FÓRUM: O senhor afirmou que o CNJ não pode ser colocado como instrumento de pressão e terrorismo sobre os magistrados. Por quê?
NORONHA: Num país democrático é essencial para a garantia das liberdades que juízes decidam com livre convicção. A imprensa pode influenciar, principalmente os juízes menos experientes. Determinados órgãos [de imprensa] querem influenciar, criticar sistematicamente mesmo sem conhecer o teor da decisão.

FÓRUM: Houve casos recentes em que foram abertos procedimentos para investigar casos a partir de informações da imprensa, caso do juiz de Sergipe do whatsApp.
NORONHA: Não era questão de abertura de PAD, com a devida vênia!… Ali era atividade jurisdicional.

FÓRUM: Em que circunstância se pode abrir um procedimento administrativo por decisão jurisdicional?
NORONHA: Só pode haver abertura de procedimento administrativo se houver suspeita de que tenha sido objeto de corrupção.

FÓRUM: Qual é o limite entre o CNJ e as corregedorias dos tribunais para que não haja conflito de competência?
NORONHA: Às corregedorias dos tribunais cabem sobretudo os juízes de primeiro grau, não podem atuar sobre os demais; e o CNJ atua principalmente dos desembargadores, mas também atua em outros casos de primeiro caso, se houver necessidade.

FÓRUM: Haverá mudança de critério para avaliar a produtividade dos magistrados? Como o sr. acredita deva ser aferida a produtividade dos magistrados no país?
NORONHA: Estamos estudando. Isso é muito complicado. Porque às vezes o juiz pega um monte de processos fáceis, julga, e o magistrado é “muito produtivo”. E o outro pega um processo com cem volumes, parado há 20 anos, não pode produzir como o outro…

FÓRUM: Em alguns casos, o CNJ é visto pelos magistrados da base como uma espécie de órgão censor, visto com alguma antipatia, por sua atuação. Que estratégia o sr. pensa adotar para se aproximar essa base da Corregedoria e fazer com que entenda melhor o papel da Corregedoria?
NORONHA: Se o CNJ realmente focar no seu propósito, essa imagem vai desaparecer naturalmente.

FÓRUM: No ano passado, houve críticas a tentativas de mudanças no CNJ. O CNJ foi esvaziado, criando conselheiros de primeiro e segundo nível?
NORONHA: Não procede, com toda a honestidade!

FÓRUM: A participação de entidades de magistrados no CNJ é importante?
NORONHA: É indiferente… As associações defendem a classe. O CNJ julga juiz, tem de ouvir a classe. Não tem problema de ouvir. Tem de ter conselheiros que não se influenciem.

Leia aqui a íntegra da Revista FÓRUM.