AMAERJ | 23 de julho de 2018 17:59

Revista FÓRUM: Harvard recebe juízes brasileiros de olho no futuro

Apresentação durante o simpósio | Foto: Linimberg Photography

Universidade de oito presidentes dos EUA promoveu evento sobre inovação com apoio da AMAERJ

POR RAPHAEL GOMIDE, enviado especial a Cambridge (EUA)

No ano passado, a Harvard Law School fez uma festa para celebrar seus 200 anos de existência. Fundada em 1817, talvez a mais prestigiosa faculdade de Direito do mundo é mais antiga que o Brasil independente. A Universidade Harvard foi fundada em 1636 e já educou oito presidentes dos Estados Unidos, entre os quais Barack Obama – formado pela Harvard Law School –, George W. Bush, John F. Kennedy e Franklin D.Roosevelt. Nenhuma outra instituição formou tantos presidentes do país. Mas, apesar dos séculos e história, Harvard continua moderna e na ponta quando se trata de educação. Por isso, em abril, recebeu o Harvard Law Brazilian Association Legal Symposium “A lei no século 21”, com apoio da AMAERJ. O juiz estadual Bruno Bodart foi um dos organizadores, como membro da associação brasileira de alunos de Harvard.

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O evento promoveu uma intensa programação de cinco dias de seminários e discussões sobre inovações no campo entre alguns dos principais nomes da Justiça e do Direito no Brasil e renomados professores de Harvard e de outras universidades de elite dos EUA. Entre os brasileiros, participaram o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, os juízes federais Sergio Moro e Marcelo Bretas, o presidente do TRF-2, André Fontes, e o ex-ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos e professor de Harvard Roberto Mangabeira Unger. Barroso disse que “os juízes estão do lado certo da História”; Dodge defendeu o início do cumprimento da prisão após sentença em segunda instância e valorizou as decisões de juízes de primeiro grau.

Foram cinco dias, 39 horas de discussões em 26 painéis e palestras, com 70 participantes nas mesas. O evento apresentou novos desafios a juízes brasileiros, ao tratar de temas que variaram da luta contra corrupção e discriminação de raça, Direito e Economia, regulação, métodos alternativos e online de resolução de disputas, automação, Inteligência Artificial no Direito, a como juízes tomam suas decisões e o futuro do Direito na era da Big Data. A essência do simpósio foi discutir os caminhos do Direito no século 21, diante das inovações tecnológicas.

Para Bodart, é fundamental para os juízes ter uma pausa para refletir sobre suas atividades e se atualizar. O dia a dia dos magistrados, diz, é “muito corrido e sufocante”, deixando pouco tempo livre para se aprofundar em discussões acadêmicas. “Trazer juízes para o ambiente acadêmico serve como um estímulo para que continuem se atualizando”, disse.

A presidente da AMAERJ, Renata Gil, considerou o evento essencial para mostrar o Direito do século 21. “Ficou reforçado o papel das instituições para enfrentar os desafios impostos pelo progresso tecnológico, e o ambiente institucional é o que proporciona discussões e estratégias mais abalizadas para o novo momento que já existe. É fundamental para o juiz do Rio estar atualizado sobre o que há de mais moderno, o que já está acontecendo e os caminhos do Direito do futuro”, afirmou Renata Gil, anunciando que a AMAERJ planeja apoiar o evento em 2019, estimulando a participação ainda maior de associados – oito juízes estaduais do Rio estiveram presentes, com o sorteio de vagas.

Para a juíza Daniela Ferro, foi “uma experiência única”. “A inovação, a diversidade de pessoas, tive um engrandecimento pessoal, não só pelo local e pela enorme matéria abrangida. Algumas coisas foram realmente novas, como processos digitais – não eletrônicos – e cortes digitais. No Brasil, não tinha ouvido falar nisso.”

O que mais chamou a atenção do juiz federal Marcelo Bretas, responsável por julgar a Operação Lava-Jato no Rio, foi o debate sobre o uso das novas tecnologias de inteligência artificial no Direito, na resolução online de conflitos e na análise de decisões judiciais por grandes bancos de dados. “Isso nos traz preocupações sobre como essas tecnologias vão influenciar o trabalho do Poder Judiciário e mostra que tem de se atualizar. A Justiça deveria tomar a dianteira dos mecanismos de disputa online, especialmente nas demandas de massa repetitivas. Marcaríamos um gol e entraríamos com o pé direito no futuro”, afirmou.

 “Não podemos deixar passar a oportunidade de conhecer essas práticas mais avançadas”, afirmou o presidente do TRF-2, desembargador André Fontes, para quem a principal contribuição do evento foi a troca de idéias entre juízes e profissionais dos EUA sobre a Justiça e sua efetividade.

Entre essas ideias inovadoras está a do engenheiro Ron Dolin, formado em Matemática e Física – além de Direito – e professor de Harvard. Ele foi o funcionário número 50 do Google. Em palestra, defendeu o uso de softwares no lugar de advogados. Segundo ele, não há como evitar a inovação tecnológica no Direito e barreiras corporativas não devem impedir a ajuda de softwares que possam aprimorar e agilizar os processos. Ele defende que a qualidade do trabalho, e não o preconceito, seja o fator decisivo para a avaliação. Para isso, propõe o teste de Turing, criado pelo matemático britânico Alan Turing, que se notabilizou como um dos pais da computação e por ter quebrado o código nazista durante a 2ª Guerra Mundial. Ele ficou conhecido do grande público com o filme “O jogo da imitação”. “Se você não for capaz de identificar se o trabalho foi feito por uma pessoa ou computador, passa o teste de Turing.” Dolin disse que nos EUA e em outros países muitas pessoas chegam aos tribunais sem defesa. “É melhor ser defendido por um software ou não ter representação? Os sistemas de informática têm baixo custo, são capazes de identificar e corrigir erros.”

JUIZ PRECISA SELECIONAR O QUE DEVE IR PARA A MEDIAÇÃO

A coordenadora do escritório-modelo da Faculdade de Direito de Harvard, Ana Carolina Riella defendeu que os juízes façam uma triagem dos casos que podem ser resolvidos por mediação e o aconselhem às partes que adotem soluções alternativas de conflitos. Segundo ela, nos EUA, apenas 3% dos conflitos são resolvidos pela Justiça. O Brasil teve 29 milhões de novas ações em 2017. “Não temos tempo a perder no Brasil. É um problema coletivo, e a solução deve ser coletiva, com a participação de juízes, promotores, funcionários públicos, advogados. O juiz deve atuar como um ‘gerente’, responsável pela triagem do que deve ser resolvido por mediação ou por decisão judicial. O juiz é um resolvedor de problemas e cabe a ele educar as partes. O papel na triagem é diferente, é aconselhar, perguntar: ‘O litígio é o melhor caminho? ’ Milhões de reais e milhões de horas de trabalho podem ser economizados”, afirmou Riella, que é curitibana e atualmente coordena a clínica de negociação e mediação de Harvard.

 O professor da USP André Ramos Tavares afirmou que o custo de soluções extrajudiciais equivale a 1/6 do custo do processo judicial. Ele pondera, entretanto, que há muito a avançar no campo da resolução alternativa de conflitos. A primeira barreira, porém, começa na universidade. Das 31 maiores faculdades de Direito do Brasil, 53% não oferecem nenhuma aula sobre métodos alternativos de resolução de conflitos; 29% as tem, mas apenas como eletivas; só em 19% havia aulas obrigatórias.

Veja aqui a íntegra da revista Fórum.

Delegação do Brasil no simpósio norte-americano | Foto: Linimberg Photography

 

Luís Roberto Barroso e magistradas do Rio | Foto: Raphael Gomide