Notícias | 06 de maio de 2016 17:20

Revista FÓRUM: ARTIGO: De onde vem o poder da 13ª Vara Federal de Curitiba?

Opção pelo fato incontroverso faz a força da Lava-Jato e deixa advogados em dificuldades. É a grande mudança na prática do direito judicial brasileiro: menos doutrinas e mais fatos

JOAQUIM FALCÃO

Professor de Direito Constitucional da FGV Direito Rio e ex-conselheiro do CNJ

JOAQUIM FALCÃO escolhida 1

O Brasil tem 15 mil unidades judiciárias de primeiro grau e 15 mil juízes de primeira instância. Por que a 13ª Vara Federal de Curitiba se tornou capaz de mudar os destinos do país? De onde vem seu poder? O senso comum diria que vem da magnitude da ação penal e dos ilícitos que julga. É verdade. Mas não é tudo. Propomos sete observações.

1ª: Trata-se de nova geração de juízes, procuradores e policiais federais. Foram educados sob a Constituição de 1988, do Estado Democrático de Direito. Têm cerca de 40 anos, pouco mais. Fizeram concurso público, ocupam cargos por mérito. Têm sido bem remunerados. Usufruem do status social do Estado de Democrático de Direito.

2ª: São tecnologicamente funcionais. Maximizam o uso de banco de dados, Big Data e inteligência de números. Quanto mais jovem, melhor o juiz lida com a tecnologia da informação.

3ª: Conseguiram convergir, dentro das diferenças legais, magistrados, procuradores e policiais federais. A pauta não é “quem invade a competência de outro”, é “a eficiência do teamwork”. A solidão do magistrado no seu livre convencimento passa a ser apenas um momento no processo de colaboração coletiva.

4º: Maximizaram a cooperação internacional, na área bancária e das finanças. Criada para combater o terrorismo, a cooperação teve como subproduto o combate à corrupção global. Engana-se quem pensa que a corrupção é só brasileira. Não é. É global. É mal du siècle. O ex-presidente Nicolas Sarkozy responde a processo. Liliane Bettencourt, a senhora mais rica da França, também. O ministro do Orçamento francês, Jérôme Cahuzac, renunciou por ter conta não declarada na Suíça. José Sócrates, ex-premier de Portugal, passou nove meses preso.
Os recentes Panama Papers envolvem as maiores autoridades russas, chinesas, empresários da Noruega e já fizeram renunciar o primeiro ministro da Islândia. David Cameron, na Inglaterra, tenta minimizar os danos políticos da conta que sua família tinha. Sem falar na manipulação do mercado de câmbio pelos grandes bancos privados. E Cristina Kirchner, conduzida a depor por suspeita de corrupção. Toda a estrutura aparentemente legal e inalcançável de offshores, de conflitos de jurisdição, de sociedades jurídicas acumulativas, parece ruir diante da cooperação internacional.

5º: O grupo de Curitiba, com a delação premiada e acordos de leniência, conseguiu um fluxo de informação que impulsiona o processo e ao mesmo tempo o expande. É verdade que se questionam as delações, as prisões preventivas decretadas, as testemunhas conduzidas coercitivamente. Alega-se que ferem o devido processo legal e os direitos humanos. Esta discussão é resolvida por recursos aos tribunais superiores, que têm confirmado as decisões de primeira instância.

6º: O grupo de Curitiba tem lidado com fatos muito mais do que com abstrações jurídicas. Fatos viram informações. Informações viram notícias. Notícias mobilizam autoridades judiciais e opinião pública. É um extrato bancário, um documento contábil, uma gravação autorizada, um vídeo inequívoco. Não é por menos que em inglês a prova judicial se chama “evidence”. Parodiando em português: é vidente.
A opção pelo fato incontroverso, em vez da doutrina retórica, faz a força de Curitiba e deixa os advogados de defesa em dificuldades. Não conseguem negar ou contrapor os fatos. Ou dar outro significado. Esta é a grande mudança na prática do direito judicial brasileiro. Menos doutrinas e mais fatos.
A estratégia dos advogados tem sido buscar nulidades processuais. Recursos, agravos, embargos infinitos. Ainda bem que os tribunais superiores começam a se autodefender e condenar o abuso do direito de recorrer.

A e derradeira observação diz respeito à pergunta que me fez o jornal espanhol El País: “Será que o juiz Moro é imparcial? Será que ele não tem uma agenda política?”.
Respondi que sim. Que ele tem uma agenda política. Que sua agenda é o combate a corrupção. Que é agenda constitucional. Por isto, ele, os procuradores e policiais federais têm sido imparciais.