Destaques Noticias | 23 de julho de 2018 18:00

Revista FÓRUM: A política, o surfe e o ser humano

Surfista, campeão mundial de ondas gigantes em 1998 e na temporada 2009/2010 |  Foto: Divulgação 

Nosso dever social é promover o bem de todos. Estamos todos no mesmo barco, na mesma prancha. Faça do seu talento algo positivo

POR CARLOS BURLE

Vivi, recentemente, um momento interessante. Recebi no Recife uma homenagem da Assembléia Legislativa de Pernambuco, a Medalha Leão do Norte. Estava acompanhado do grande surfista Fábio Gouveia, que é paraibano e recebeu o título de Cidadão Pernambucano.

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Para mim, tudo aquilo não passou de formalidade. Confesso que não me encheu os olhos. Havia protocolo, políticos, discursos em homenagem a mim e a meu amigo Fabinho. Estava lá também o Geraldo Cavalcanti, presidente da Associação Nordestina de Surfe.

De um lado, os políticos, aproveitando a ocasião para fazer seus discursos. Do outro, Geraldo, falando que é preciso investir mais em um esporte tão importante e popular. Uns pediam aplausos. O outro, investimentos.

Aquilo me incomodou muito. Sou um cara que não consigo ficar na superfície. Estavam ali vários surfistas antigos, da minha geração e até anteriores a mim. Também havia surfistas novos, empresários do meio. Todo mundo estava vendo a minha cara meio fechada.

Na minha vez de falar, disse que era um momento de comemoração, que era muito grato pela homenagem, que era a chance de rever a cidade em que nasci, que tanto amo, e de encontrar a família. Mas que não poderia deixar de falar de política. Se não falasse, fingiria que não havia ali um elefante branco.

Vivemos um momento muito delicado na política. Ao ouvir os discursos, me veio à cabeça um movimento contrário. Quando comecei há 38 anos, o surfe era totalmente marginalizado, um esporte relacionado às drogas. Faltavam estrutura e patrocínios. Hoje é um esporte olímpico com a imagem associada à qualidade de vida, saúde e profissionalismo! Um estilo de vida valorizado no mundo inteiro.

Já passei, como surfista, por todo tipo de preconceito e pré-julgamento. Naquele momento, estava sendo homenageado por uma classe que tem uma imagem horrível, péssima. As coisas meio que se alternaram. Tenho, no meu entendimento, que é muito fácil julgar e condenar. E é muito difícil se aproximar e trabalhar pela transformação.

Não gosto de pessoas que adotam posições de extremismo, que perdem a paciência quando se deparam com opiniões contrárias. Chegamos a um momento em que não se respeita a divergência. Respeitar as opiniões é a base da democracia. Se você tem seus valores e crenças, precisa saber que o outro também os tem e que se deve respeitá-los, mesmo que não sejam os seus valores e crenças. Você pode conviver em harmonia com as divergências.

Nosso dever social é promover o bem de todos. Já fui julgado por ser surfista, acusado de ser vagabundo. Consegui em quase quatro décadas no surfe reverter isso, à custa de muita dedicação, sacrifícios, esforço, dores, privações, treinos, empenho. E com o apoio de surfistas, amigos, familiares, patrocinadores, apoiadores, fãs.

No atual momento brasileiro, todos estão com os nervos à flor da pele. Precisamos respeitar mais a opinião dos outros. Esquecemos-nos do bem comum. Estamos todos no mesmo barco, na mesma prancha, remando para o mesmo lugar. Minha mensagem é esta: faça de seu talento algo positivo. Há uma coisa muito mais importante do que Carlos Burle, do que a política, do que o surfe. Esta coisa é o bem comum.

Foi isso que disse naquela solenidade. Eu me vi ali apenas como uma ferramenta. Aquele prêmio não era só meu. Foi uma comunidade toda que fez aquilo. Sou apenas mais um. Não vou conseguir ser feliz sozinho.

Veja aqui a íntegra da revista Fórum.