Notícias | 24 de maio de 2012 15:48

Projeto Grão: sonhos realizados longe das grades

Leonardo Batista, 35 anos, fornecia armas e drogas para uma grande facção criminosa do Rio de Janeiro. Fábio Leão, 37, era traficante e especialista em adulterar carros roubados. Adilson Dias, 31, morou quatro anos nas ruas do Centro do Rio, onde consumia entorpecentes e assaltava. Além do passado de violência, os três têm em comum histórias de superação e a participação no Projeto Grão, que, desde 2009, já ajudou a ressocializar 115 ex-presidiários – muitos condenados pela própria idealizadora do programa, a juíza Thelma Fraga.

Hoje Leonardo dirige uma cooperativa de reciclagem de lixo na Cidade de Deus, em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio, que retira mensalmente 12 toneladas de detritos do Rio Arroio Fundo, um dos que cortam a comunidade.

Fábio é professor de artes marciais em uma academia da Tijuca, na Zona Norte carioca. Lutador profissional, ele coleciona títulos: é tricampeão brasileiro de muay thai e medalha de prata nos campeonatos Sul-Americano e Pan-Americano da arte marcial.

O ex-menino de rua Adilson agora é artista plástico, dançarino e diretor de teatro e ainda tornou-se um dos principais multiplicadores das ideias do Grão.

Ele faz palestras, dá aulas de teatro e ministra oficinas de arte em presídios e centros de medida sócio-educativa para jovens em conflito com a lei de comunidades carentes, onde são mais vulneráveis a ingressar na criminalidade.

Quando saiu de casa na Favela Antares, em Santa Cruz, Zona Oeste, para engraxar sapatos na Central do Brasil – principal estação ferroviária do Rio –, Adilson passou a conviver com o submundo das ruas do Centro.

Roubava, usava drogas e perambulava com outros garotos. Alguns deles viraram vítimas da chacina da Candelária, em julho de 1993, quando oito jovens foram assassinados, num massacre que chocou o país.

Em 1994, após ser levado duas vezes para abrigos de moradores de rua, retornou para casa, voltou a estudar e começou a trabalhar. Aos 17 anos, ingressou numa escola de balé em Campo Grande, Zona Oeste, e nunca mais abandonou a arte.

“Há dois anos, quando fui apresentado à juíza Thelma, ela disse que minha experiência de vida, primeiro nas ruas e depois com a arte, precisava ser contada”, conta Adilson. “Usar meu talento para ajudar os outros foi a realização de um sonho.”

Sonho é a palavra-chave do Grão. O projeto surgiu do desejo da juíza, que atuou na área criminal em nove de seus 17 anos de magistratura.

“Julgava os processos, mas a criminalidade continuava crescente. A sensação de frustração era enorme”, recorda. “Precisava buscar alternativas e não me limitar aos julgamentos.”

Após quase três anos de estudos, em 2007, Thelma e sua equipe concluíram que uma das causas desse desequilíbrio era a ausência de ações para reinserir os ex-detentos na sociedade.

A pesquisa apontou ainda que de nada adiantava empregar o ex-presidiário em um trabalho com que ele não se identificasse.

“O programa tem como principal metodologia o exercício da subjetividade, no qual é escolhido um sonho para que seja transformado em realidade”, explica a juíza. “Para cada objetivo de vida, traçamos metas e saímos em busca de parceiros que possam nos auxiliar.”

Palavras de estímulo derrubam resistência

Para que o projeto ganhasse a confiança tanto dos presos como dos possíveis apoiadores ou patrocinadores, a juíza decidiu que o primeiro a participar deveria ser alguém que ela mesma havia condenado.

“A ideia era quebrar paradigmas”, ressalta.

Foi quando Thelma reencontrou Leonardo Batista na Penitenciária Muniz Sodré, no Complexo de Bangu, em 2008. Condenado a dez anos de prisão por associação ao tráfico e porte de armas, ele estava prestes a sair da cadeia, depois de dois anos e meio, graças a uma apelação que conseguiu a redução de sua pena associada ao seu bom comportamento.

“Quando o diretor do presídio me falou que a doutora Thelma queria conversar comigo, fiquei desconfiado”, conta Leonardo. “Ainda tinha muito ressentimento, pois ela tinha me colocado lá dentro. Mas acabei aceitando.”

As palavras da juíza logo desarmaram Leonardo.

“Ela me disse: ‘Sentenciei o seu ato, não você’. Percebi, então, que ela estava de coração aberto e a levei para conhecer o sistema penitenciário, pois eu também queria ajudar quem estava lá”, recorda.

Ao deixar a prisão em 2009, Leonardo entrou para a cooperativa de reciclagem onde sua mulher trabalhava. Com espírito empreendedor, logo passou a liderar o grupo. Hoje também preside a Federação das Cooperativas de Material Reciclado do Rio de Janeiro.

E tornou-se um multiplicador do Projeto Grão. Na cooperativa da Cidade de Deus, trabalham mais sete ex-presidiários. Leonardo também já conseguiu vaga para 12 em outras cooperativas e para oito em um lava-jato.

Viradas movidas a sonhos

O sonho também alimentou a reviravolta na vida de Fábio Leão. Preso quatro vezes e condenado pela juíza Thelma a 17 anos de prisão por assalto, tráfico de drogas e clonagem de automóveis, ele sempre quis ser lutador.

O reencontro com a juíza ocorreu em 2009, dez anos após a sentença. Prestes a sair da cadeia por bom comportamento, ele dava aulas de boxe a outros detentos e treinava socos em um saco feito com três calças jeans recheadas de areia e pedras.

Quando soube que a juíza queria vê-lo, Fábio refugou: “Não queria falar com aquela mulher”.

Com as mesmas palavras que utilizou com Leonardo, Thelma quebrou a resistência do lutador.

“Fui a nocaute”, brinca ele. “Quando ainda estava preso, ela levou o Rogério Minotouro (famoso lutador profissional de MMA) para ser o juiz de um campeonato interno. Dias depois, ele me deu sacos e luvas para eu treinar. Passei a treinar de seis a sete horas por dia”, lembra.

Ao deixar a cadeia há dois anos, Fábio foi trabalhar como professor numa academia que apostou no Projeto Grão. Foi seu primeiro emprego com carteira assinada. Hoje mais seis de seus ex-alunos na prisão também se tornaram instrutores lá.

Fábio também dá aulas a jovens carentes na Vila Kennedy, comunidade da Zona Oeste onde chegou a ser gerente do tráfico.

“Fui baleado com 17 anos, tive dois princípios de overdose, vivi muitos anos no crime”, diz. “Quero mostrar à garotada de lá o meu exemplo.”

A história de Fábio deverá virar um filme de ficção do cineasta Paulo Thiago, previsto para 2013.

Do sonho à realidade, o saldo do Projeto Grão é que, dos 115 ex-detentos reinseridos na sociedade pela iniciativa, nenhum voltou a cometer crimes.

“Eles dizem que os ajudei, mas foram eles que me salvaram do óbvio, da pequenez e do preconceito”, garante a juíza Thelma Fraga. “São meus pequenos gigantes.”

Fonte: Infosur Hoy