Notícias | 06 de maio de 2011 14:18

Pressão agora é por lei que criminaliza homofobia

Ao mesmo tempo que comemoraram efusivamente o reconhecimento legal da união entre pessoas do mesmo sexo, representantes da comunidade gay avaliaram que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pode ainda acelerar a tramitação, no Congresso, do Projeto de Lei Complementar 122, que criminaliza a homofobia. Para especialistas, os parlamentares precisam entender a sinalização do Judiciário e criar leis para pôr na cadeia quem ofender gays, lésbicas, transexuais e outros integrantes da comunidade.

— A decisão do STF vai ser amplamente comemorada na Marcha Nacional contra a Homofobia, que acontece no Rio daqui a duas semanas. O Congresso precisa aprovar a PLC urgentemente, o que protegeria os gays, assim como a Lei Afonso Arinos protege os negros, a Lei Maria da Penha protege as mulheres e aí por diante — disse o presidente da Parada do Orgulho Gay de São Paulo, Iberaldo Luiz Beltrane, para quem os votos favoráveis dos ministros se transformaram em um “divisor de águas” para a comunidade.

— O julgamento deu dois sinais claros: tirou a pauta da discussão moral e religiosa e também mostrou que o Congresso precisa mudar sua postura em relação a diversos temas da sociedade — disse ele.

O ativista Beto de Jesus, presidente do Instituto Edson Neris, também não poupou críticas à atuação do Congresso na discussão do tema:

— Essa decisão jurídica parece que foi a única saída contra um Legislativo conservador e preconceituoso, que parece querer criar expectativas fundamentalistas religiosas contra um Estado laico.

Para Jesus, o fato de homossexuais não terem os mesmos direitos civis que os heterossexuais “é uma vergonha”. Para ele, a ideia de que família deve ser aceita apenas se criada por homens e mulheres é um equívoco:

— Quer dizer que, se o homem casa com uma mulher, perde essa mulher e passa a viver apenas com o filho, então significa que os dois não formam uma família porque são dois homens? — indagou.

Diretor da Faculdade de Direito da FGV, Oscar Vilhena atuou como advogado de um dos grupos que propuseram a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), o Conectas. Ele festejou ontem a decisão do Supremo e afirmou que os ministros garantiram um direito que “é cristalino” na Constituição. — Todos são iguais perante a lei, e o Código Civil tratava apenas da união entre homem e mulher. Agora, isso será equiparado. Essa decisão é universal, estende-se a todos os que queiram manter uma união homoafetiva.

Vilhena disse que o STF seguiu as decisões que têm se espalhado pelo “mundo democrático, onde essa questão tem sido solucionada em diversos países”. Ele negou que a medida do Judiciário se sobreponha a uma iniciativa que deveria partir do Legislativo.

— No caso das células-tronco e do desarmamento, o Judiciário tem defendido o avanço dos legisladores. Mas, nessa questão das relações homoafetivas, os legisladores não haviam avançado porque os homossexuais são um grupo minoritário, e essa não é uma causa simpática. Mas o STF não está inventando nenhum direito. Ele está fazendo valer a Constituição.

Para Angela Ro Ro, decisão do STF é muito bem-vinda

O coro de elogios à postura da Suprema Corte também contou a voz grave da cantora e compositora Angela Ro Ro: — Tudo o que gera bem-estar, conforto, saúde, estabilidade, direitos e, especialmente, facilita a adoção, acho muito produtivo. Não vejo nada de errado em dois homens ou duas mulheres terem os mesmos direitos de um casal hétero. Acho muito bem-vinda (decisão do STF). Não é porque sou gay. Mesmo que fosse heterossexual, eu concordaria. É mais humano.

‘Eu me sinto mais seguro, isso sim’

O produtor de eventos Roberto Mafra, de 37 anos, vive há apenas dois meses com o companheiro, mas definiu o dia de ontem como histórico para homens e mulheres que decidem manter uma relação estável com pessoas do mesmo sexo. Para ele, os direitos civis conquistados ontem criam uma espécie de base de segurança para os homossexuais.

— Nem vou dizer que me sinto mais inserido na sociedade com essa decisão. Eu me sinto mais seguro, isso sim. Até hoje, dois homens podem viver há anos como companheiros e, se um deles morre, é comum a família do falecido querer ficar com tudo. Agora isso não vai existir mais — disse ele, que atua no Casarão Brasil, ONG voltada para a comunidade homossexual, em São Paulo.

— A situação jurídica dos gays é tão vulnerável que conheço casais que nem formam patrimônio para não deixar para os seus familiares — diz.

Mafra engrossa o coro de que, para ser vencida, a luta dos homossexuais precisa chegar à aprovação do projeto que transforma em crime atos de homofobia.

— Além de ser um momento histórico, a decisão do STF vai dar um gás na luta contra a homofobia. Este é um ano em que temos muito o que comemorar — diz ele, bem-humorado: — Agora é só o relacionamento dar certo.

Juntos há seis anos, Sandro e Micael dividem teto há um ano e meio. Compraram juntos apartamento nos Jardins, bairro nobre da capital paulistana. Assim que decidiram morar juntos, chegaram a formalizar uma escritura de união estável num cartório, mas ontem admitiam que sabiam da fragilidade do documento.

— Não havia qualquer tipo de garantia, e isso me amedrontava. Se a gente se separar ou quando um de nós morrer, agora a lei protege os dois — diz Micael, sócio do companheiro num consultório médico.

Fonte: O Globo