Notícias | 06 de setembro de 2012 17:08

O Globo publica artigo de magistrados do TJ-RJ sobre o “Mensalão”

O jornal O Globo publicou na edição de ontem (5) dois artigos assinados por magistrados do Rio de Janeiro. Com o título “Vai passar”, o presidente do Tribunal de Justiça do Rio, desembargador Manoel Alberto, e o presidente da Comissão Mista de Comunicação Institucional do TJ-RJ, desembargador Luiz Fernando Ribeiro Carvalho, assinaram um artigo conjuntamente. Já “Tribuna de risco” foi o título do texto do desembargador Luciano Rinaldi. Os dois artigos tiveram como tema central o julgamento do “Mensalão”.

Em “Vai passar”, os desembargadores abordaram os efeitos do julgamento na sociedade brasileira. “O primeiro impacto é a inédita presença de cabeças coroadas entre os réus da ação penal. Na triste tradição brasileira, o processo criminal só funciona para punir aqueles, que mesmo em liberdade, já formavam o gigantesco exército da exclusão”, analisam os magistrados.

Em “Tribuna de risco”, analisa a importância da sustentação oral dos advogados. Segundo Luciano Rinaldi, “quem costuma acompanhar o dia a dia dos tribunais sabe que as boas sustentações cativam a atenção dos julgadores”.

Confira a íntegra dos artigos:

Vai passar

A sociedade brasileira não será mais a mesma após o julgamento do mensalão. Satisfeita ou não, ela responderá à pulsão anímica resultante de fatores que movem o imaginário popular. O Judiciário e a percepção pelo povo de sua atuação também mudarão.
O primeiro impacto é a inédita presença de cabeças coroadas entre os réus da ação penal. Na triste tradição brasileira, o processo criminal só funciona para punir aqueles que, mesmo em liberdade, já formavam o gigantesco exército da exclusão.

Independentemente dos resultados, tais poderosos aparecem como acusados, aqui de crimes tão ultrajantes que a presunção de inocência, secular garantia constitucional, já não parece socorrê-los, como demonstra o andar da carruagem pelos votos até agora colhidos no julgamento.

Todos se recordam de que o ex-presidente Lula se disse traído pelos mentores do mensalão, de cuja própria existência, em manobra camaleônica, viria depois a duvidar. Ora, ninguém é traído em sua boa-fé por uma miragem.

A sabedoria popular não absorve o ilusionismo, mesmo que o povo, pela manipulação dos governantes, ainda não tenha chegado a degraus elevados de educação política.

Percebe-se a ligação entre aquela traição e o episódio vivido pelo ex-deputado Roberto Jefferson, ao bradar na CPI seus temores em relação ao chefe da Casa Civil da Presidência da República, José Dirceu, na ocasião notório aspirante à sucessão presidencial: “Sai daí, Zé, sai daí para não prejudicar o presidente da República, que está inocente (…) tenho medo de vossa excelência, porque desperta em mim os instintos mais primitivos.”

Nesse quadro, já referido como de tenebrosas transações, o país poderá ter vivido uma quadra recente com o Legislativo parcialmente reduzido a um balcão de negócios, movimentado por vivandeiras do meio político, banqueiros, empresários e publicitários, além dos necessários coadjuvantes.
O importante é que as instituições vêm cumprindo seu papel, provavelmente um processo dessa natureza não poderia ser imaginado em alguns países vizinhos. Aqui o quadro é diverso, pois o STF decidirá com independência, em veredicto preponderantemente jurídico, embora não se possa desconhecer algum componente político próprio do julgamento em cortes constitucionais.

Os resultados serão apontados com toda a liberdade à nação, que tem recebido da imprensa admirável trabalho de informação.
Sem dúvida, ganharão a democracia e a República que, rompendo o dique das tenebrosas transações, vão respirar fortalecidas, pois essa página infeliz da nossa história não deverá tornar-se passagem desbotada na memória das novas gerações (em recriação livre), o estandarte do sanatório geral vai passar, a democracia brasileira já amadureceu para tanto.

O espírito dos versos de Chico Buarque e Francis Hime pode ficar tranquilo.

*Manoel Alberto Rebêlo dos Santos é presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
*Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho é presidente da Comissão Mista de Comunicação Institucional do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro


Tribuna de Risco

Iniciado no STF o julgamento da ação penal nº 470 (caso mensalão), renova-se o debate sobre a sustentação oral dos advogados.

Na fase inicial desse julgamento, alguns ministros sentiram o desgaste físico decorrente da oitiva dos advogados dos 38 réus, cada uma com até uma hora de duração.

É natural e involuntário que um juiz externe sinais de cansaço. Seu dever é decidir com base na lei e na prova.

O volume de processos é estarrecedor, assim como a necessidade de julgá-los em razoável espaço de tempo. Sim, todo cansaço deve ser perdoado.

Há magistrados indiferentes às sustentações orais, por se tratar de ritual ultrapassado, incapaz de interferir na decisão.

Se as teses estão nos autos, seria desnecessária sua repetição oral. O raciocínio é equivocado. 
A Constituição Federal reconhece que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. Essa inviolabilidade constitucional assegura o pleno exercício da advocacia. Nisso está compreendido o direito de fazer uso da palavra em qualquer juízo ou tribunal.

O respeito às prerrogativas profissionais do advogado constitui garantia da própria sociedade. Em muitos casos, a oratória elucida um julgamento. Para o escritor francês Victor Hugo, as “palavras têm a leveza do vento e a força da tempestade”.

Quem costuma acompanhar o dia a dia dos tribunais sabe que as boas sustentações cativam a atenção dos julgadores.

Os tribunos mais habilidosos conhecem cada página do processo, detalham suas nuances, destacam os pontos fortes, citam a melhor doutrina e indicam os precedentes favoráveis, especialmente dos tribunais superiores.
A advocacia brasileira já concebeu célebres oradores, a exemplo de Rui Barbosa, Sobral Pinto e Evandro Lins e Silva. Mas nem todos são contemplados com o dom da oratória.
A maioria tem receio de falar em público. Nesse caso, recomenda-se objetividade e simplicidade, transmitindo-se a mensagem pretendida.

Se algum ponto for esquecido, deve-se manter a calma e recorrer às anotações.

Falar de improviso é arriscado. Piadas e trocadilhos não costumam ser bem recebidos.

É preciso agir com urbanidade e formalidade, pois julgamento é ato solene.

A fala do advogado pode ser inflamada, eloquente, e até crítica. Mas isso não legitima o advogado a irrogar ofensas ou impropérios à parte contrária ou ao Tribunal.

Exige-se respeito mútuo entre juízes e advogados.

A sustentação oral é essencial para a excelência da prestação jurisdicional. Mas compete ao advogado, enquanto protagonista do processo, defender seu cliente de forma segura, falando com serenidade, convicção e clareza de raciocínio. Do contrário, será apenas escutado, mas nunca ouvido.

*Luciano Rinaldi é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro


Fonte: Assessoria de Imprensa da Amaerj