Brasil | 11 de junho de 2019 16:40

Multa do CPC/73 para ato atentatório à jurisdição não se aplica a juízes

*Migalhas

Ministro Luis Felipe Salomão

A 4ª turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) julgou, nesta terça-feira (11), caso envolvendo a aplicação de multa a uma magistrada, prevista no parágrafo único do artigo 14 do CPC (Código de Processo Civil) de 1973. O relator foi o ministro Luis Felipe Salomão. A controvérsia era definir se o juiz que conduz o processo pode ser apenado com a multa prevista para os casos de cometimento de ato atentatório ao exercício da jurisdição.

Na origem, o acórdão recorrido, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, concedeu a segurança para uma juíza que foi multada em 20% sobre o valor da causa por um desembargador. O ministro Luis Felipe Salomão consignou no voto que a sanção pecuniária prevista no CPC/73 buscou garantir posturas essencialmente éticas e pautadas na boa-fé e assegurar a dignidade e a autoridade do Judiciário e a escorreita administração da Justiça.

“É a partir da ordem de que a probidade e a retidão das ações no curso do processo judicial deverão direcionar a todos aqueles que, de uma forma ou de outra, dele participam ou intervêm, sob pena de multa, que poderá ser encontrada a resposta à questão deste recurso.”

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Salomão argumentou que a doutrina é unânime em afirmar que o dever de pautar suas ações pela probidade e lealdade tem como destinatário não somente as partes, mas também “os advogados, a Fazenda, o parquet, os auxiliares da Justiça de todas as classes e, finalmente, o juiz da causa, como não poderia deixar de ser”.

“Isto porque, sendo o processo instituto dialético, qualquer conduta que falte com o dever da verdade, deslealdade e emprego de artifícios fraudulentos é absolutamente reprovável, simplesmente porque tal conduta não se compadece com a dignidade de instrumento desenvolvido pelo Estado para atuação do direito e realização da justiça.”

O ministro mencionou precedente da 3ª turma que enfrentou a questão da destinação da norma insculpida pelo art. 14, reconhecendo o responsável pela avaliação os bens ofertados na execução como sujeito passivo da multa prevista pelo dispositivo, mas que não se manifestou sobre a possibilidade de responsabilização dos juízes (REsp 1.013.777).

“Conclui-se que a conduta proba e leal não é imposta somente àqueles que têm o direito material posto em lide, mas, sim, a todos que tenham atuação no litígio ou que contribuam para a satisfação da ordem judicial emitida, inclusive e especialmente os juízes.Sendo assim, segundo penso, o parágrafo único do art. 14 em consonância com seu inciso V comporta uma única interpretação: a de que o dever de agir com lealdade e boa-fé é de todos que atuam no processo, direta ou indiretamente.”

Responsabilização da Loman

Contudo, prosseguiu o relator, a constatação desse dever não conduz, necessariamente, à conclusão de que aquele que tumultuar a administração do processo, atentando contra à dignidade da Justiça, será sempre repreendido nos moldes do artigo mencionado.

“Malgrado seja lastimável que o juiz possa cogitar de praticar condutas deste jaez – por qualquer modo embaraçando a marcha processual ou descumprindo comandos de instâncias superiores, inclusive os precedentes vinculantes -, a verdade é que há atores do processo que, agindo de maneira distante da lealdade e probidade, deverão ser responsabilizados de acordo com o estatuto de regência da categoria a que pertencer, cuja função é justamente apreciar a conduta ética empregada no exercício da profissão, caso dos advogados, membros do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos magistrados.”

Para Salomão, a razão que fundamenta a exclusão dos advogados públicos ou privados, do MP e da Defensoria da incidência da multa “é igualmente capaz de retirar do alvo daquela sanção os juízes”.

“Os juízes deverão sempre conduzir suas ações pelos princípios da probidade, boa-fé e lealdade, mas a ele não se destina a multa prevista no parágrafo único do art. 14 do CPC/1973, e a investigação das condutas praticadas em desconformidade com aqueles vetores será realizada nos termos da Lei Orgânica da Magistratura, Lei Complementar n. 35/1979. Destarte, mencionada norma disciplina, a contento, os deveres dos magistrados, tais como, o de cumprir e fazer cumprir as disposições legais e os atos de ofício; não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar e determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizem nos prazos legais, todos previstos em seu art. 35.”

O entendimento do ministro Luis Felipe Salomão foi seguido à unanimidade na turma. O recurso da parte foi provido parcialmente apenas para afastar o efeito ultra partes e erga omnes, mantido o acórdão recorrido quanto ao mais.

Fonte: Migalhas