Notícias | 13 de agosto de 2012 15:18

Juiz prisioneiro

Minha História – Alexandre Abrahão, 44

Sob escolta de seguranças desde 2005, o titular da Vara Criminal de Bangu, na zona oeste do Rio, vive uma rotina de restrições; às vezes, pensa em desistir

(…) Depoimento aMARCO ANTÔNIO MARTINSDO RIO

RESUMO Alexandre Abrahão, 44, é juiz há 15 anos. Assumiu como titular da Vara Criminal de Bangu, zona oeste do Rio, em dezembro de 2004. Pouco depois, recebeu a primeira ameaça. Desde então, ele e a família andam acompanhados por seguranças.
Já no meu primeiro ano em Bangu, em 2005, recebi uma ameaça. Tenho uma coleção delas, vindas de todas as partes: traficantes, milicianos, quadrilhas de caça-níqueis…
Onde não existe um Estado forte, a criminalidade cresce. E onde ela se estabelece, ela acha que é a dona.
Para quem não sabe, Bangu parece uma usina de criminalidade. A região é muito bonita, mas, por contingência política, é a única do Estado em que as três facções “trabalham” em pé de igualdade. Diferente de regiões pacificadas do Rio.
Aqui existe uma guerra constante. É um caldeirão. Foi aqui que jornalistas de “O Dia” foram torturados por milicianos. A guerra dos caça-níqueis acontece desde que Castor de Andrade morreu, nos anos 1990.
Uma vez julguei um processo sobre a morte de dois policiais. No local do crime, foram apreendidos 55 pinos de granada. Ou seja, em um dia, jogaram 55 granadas numa área urbana. Não é no Iraque ou no meio do deserto.
Há uma inversão de valores hoje tão grande que o criminoso acha que ele é a lei.
Ele se pergunta: que Estado é esse que eu não compro, que me investiga, me ataca e me desarticula? Em um primeiro momento, ele tenta te comprar. Analisa seu currículo, descobre quem você é.
Mas o diabo sabe para quem aparece. Então, parte para o segundo momento: quando tenta te matar.
ROTINA
Confesso que, às vezes, isso cansa. Almoço sozinho em meu gabinete com comida comprada pelos seguranças. Só vou ao cinema em sessões vazias. Para ir a um show, é preciso avaliar. Nesses lugares sempre chega “gente” [seguranças] antes e depois de mim. É uma tensão. Para a família e para mim.
Juiz chora, ri. Tem momentos que penso em jogar tudo para o alto. Como acontece com qualquer um.
Mas não vou ficar lamentando. É minha profissão. Sempre sonhei em estar aqui. Quero ter orgulho do que fiz.
As precauções são necessárias. Lembro de um agente federal preso fotografando a minha casa em 2010. Ele morava aqui perto do fórum. Coincidência? Não acho.
EMOÇÃO
O caso mais complicado que julguei foi o de uma menina de oito anos estuprada pelo padrasto.
Precisava do depoimento dela, mas a menina não falava sobre o assunto. Durante o julgamento, perguntei o que ela queria ser quando crescesse. Ela disse: juíza.
Então, falei que faria dela juíza naquele momento. Coloquei nela a capa do oficial de Justiça e pedi para que sentasse na minha cadeira.
Disse então que ela mandava e precisava falar sobre o que aconteceu. A menina contou tudo, em detalhes [Abrahão chora].
Ainda vou ver essa menina juíza. Só por isso, essa profissão já valeu a pena.
É curioso pensar nisso em um momento em que lembramos a perda de uma colega [a morte da juíza Patrícia Acioli, há um ano]. Foi uma violência muito grande. O julgamento tem que ser exemplar.
Atirar contra um servidor público é atentar contra o país. Quando entendermos isso, cresceremos como nação.

Fonte:  Folha de São Paulo