Notícias | 09 de março de 2012 14:55

Em pouco tempo, mulheres estarão na cúpula da Justiça

Nesta semana, a ministra Cármen Lúcia, segunda a ser indicada ao Supremo Tribunal Federal — a primeira foi a ministra Ellen Gracie, já aposentada —, foi eleita para presidir a mais alta corte da Justiça Eleitoral. O comando de uma mulher nesse ramo do Judiciário acontece 80 anos depois da conquista feminina pelo direito ao voto no Brasil e 67 anos de existência do próprio tribunal. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro tem 58 em um total de 178 desembargadores, o maior percentual do Sudeste, com mais de 30% de integrantes do sexo feminino.

Embora o número de mulheres no país seja maior que o de homens — de acordo com dados do IBGE, em 2010, eram pouco mais de 97 milhões mulheres e cerca de 93 milhões homens —, a quantidade de integrantes do sexo feminino no mundo jurídico está bem aquém do que se visualiza na sociedade. No STF, de 11 ministros, apenas duas são mulheres: Cármen Lúcia e Rosa Maria Weber. No Superior Tribunal de Justiça, dos 31 ministros, apenas cinco são mulheres. No Tribunal Superior Eleitoral, são cinco entre 26 no total e no Superior Tribunal Militar, apenas uma, Maria Elizabeth Rocha, entre 15 integrantes.

Nos tribunais superiores, apenas o Supremo e o TSE contaram com uma presidente mulher no comando. Oriunda do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a ministra Ellen Gracie presidiu a Suprema Corte entre 2006 e 2008.

De acordo com o TST, na primeira instância da Justiça trabalhista, o número de juízas ultrapassa o de juízes. Nos principais tribunais regionais, há muitas mulheres. No TRT da 2ª Região (São Paulo), são 83 integrantes, 47 mulheres, o que representa 56% da corte. Mas de seus 28 ex-presidentes nos seus 70 anos de existência, apenas duas ocuparam o cargo: Maria Aparecida Pellegrina e Dora Vaz Treviño. O TRT da 15ª Região, em Campinas, conta 52 desembargadores, 19 delas do sexo feminino, já tendo sido presidido por uma, Eliana Felippe Toledo. O TRT da 1ª Região, no Rio de Janeiro, é comandado pela desembargadora Maria de Lourdes Sallaberry; dos 45 integrantes, 13 são mulheres.

Nos Tribunais Regionais Federais, de acordo com números do Anuário da Justiça Federal 2012, proporcionalmente, o que tem mais mulheres entre seus desembargadores é o da 3ª Região, que abrange São Paulo e Mato Grosso do Sul. Elas representam mais de 40% dos integrantes da corte. Já o TRF-5, tem apenas uma mulher entre seus 15 membros. O TRF-2, cuja jurisdição engloba Rio de Janeiro e Espírito Santo, é comandado, atualmente, pela desembargadora Maria Helena Cisne. O TRF-4, com os três estados da região Sul, é presidido pela desembargadora Marga Inge Barth Tessler.

Nos principais tribunais estaduais do país, a participação feminina também está longe de ser equilibrada como é a divisão da sociedade brasileira entre homens e mulheres. Entre São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, o percentual difere bastante. O Tribunal de Justiça fluminense tem 58 em um total de 178 desembargadores, o maior percentual entre os quatro, com mais de 30% de integrantes do sexo feminino. No Órgão Especial do TJ-RJ, que delibera sobre as questões administrativas e julga processos como ações diretas de inconstitucionalidade, dos 25 integrantes, sete são mulheres. No entanto, nunca houve uma presidente à frente do tribunal fluminense. A atual diretora da Escola da Magistratura do Rio, Leila Mariano, pode se eleger no final deste ano e se tornar a primeira desembargadora a comandar o TJ-RJ.

No Rio Grande do Sul, Maria Berenice Dias foi a primeira mulher a ingressar na magistratura, em 1973, e também a primeira desembargadora do estado, em 1996. Em conversa com a Consultor Jurídico, tocou em outro ponto. “É uma realidade geral a mulher ainda não ocupar cargos de comando. Mesmo assim, há mais mulheres no Judiciário do que no Legislativo ou no Executivo” exemplificou. “Nos cargos que envolvem indicação ou quinto constitucional, por exemplo, as mulheres ainda não são muitas”, disse.

Autora da pesquisa Magistrados: uma imagem em movimento, transformada mais tarde em livro, editado pela FGV Direito Rio, Maria Tereza Sadek diz que a supermacia masculina existe porque os homens ocupam os espaços há mais tempo. “Na base da magistratura as mulheres predominam, como nos Juizados Especiais. Lá, a maioria é mulher”, afirma.

Outro fator que explica, em parte, a pouca participação de mulheres no comando das cortes é a regra para a direção dos tribunais, prevista na Lei Orgânica da Magistratura. Isso porque a Loman prioriza os mais antigos da corte na escolha da cúpula. De acordo com o artigo 102, “os Tribunais, pela maioria dos seus membros efetivos, por votação secreta, elegerão dentre seus juízes mais antigos, em número correspondente ao dos cargos de direção, os titulares destes, com mandato por dois anos, proibida a reeleição. Quem tiver exercido quaisquer cargos de direção por quatro anos, ou o de presidente, não figurará mais entre os elegíveis, até que se esgotem todos os nomes, na ordem de antiguidade”.

O maior tribunal do país, o de São Paulo, conta, atualmente, com 352 desembargadores. Destes, apenas 15 são mulheres, o que representa menos de 5%. De acordo com a ordem de antiguidade do tribunal, a mais antiga das desembargadoras, Angélica Maria Almeida, está em 76º lugar. Outro dado curioso é que as quatro mais antigas que atuam hoje entraram na corte através do quinto constitucional, a primeira e terceira pela advocacia, a segunda e quarta pelo Ministério Público. A mais antiga juíza de carreira, desembargadora Zélia Maria Antunes Alves, aparece em 164º lugar na lista de antiguidade.

Foi apenas em 2008 que o órgão máximo do Tribunal de Justiça paulista contou com a participação oficial de uma mulher entre os julgadores. A desembargadora Maria Cristina Zucchi foi convocada para substituir, interinamente, o desembargador Palma Bisson.

A primeira mulher a compor o TJ paulista foi a desembargadora Luíza Galvão, que ingressou através do quinto do MP. O tribunal surgiu em 1891. Luíza Galvão tornou-se desembargadora quase 100 anos depois, em 1997.

Historicamente, conta Ivette Senise, presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo, o TJ paulista sempre foi conservador. Para reforçar a tese, ela volta à década de 1970, quando indagou um presidente da corte — “que não nomeia porque é amigo” — acerca da falta de mulheres na magistratura. “Ele respondeu que o ingresso não era proibido e que o problema estava com as candidatas, que não passam na prova”, narra. Hoje, os menos de 5% de desembargadoras no corpo do TJ-SP, para Ivette, revelam “o perfil conservador da corte”.

Fora dos tribunais

Na Procuradoria-Geral da República, há 60 subprocuradores. Destes, 20 são mulheres. Nos estados, a percentagem de procuradores que atuam na primeira instância fica em pouco mais de 30%, com exceção do Rio Grande do Sul, com mais de 40%. Em São Paulo, por exemplo, são 106, 37 mulheres. No Rio Grande do Sul, são 21 mulheres entre 51 integrantes, de acordo com dados do portal do Ministério Público Federal.

Já na segunda instância, atuam no TRF-1 24 mulheres entre 50 integrantes, uma delas no comando: Luiza Cristina Frischeisen. No TRF-2, há 43 procuradores, sendo 26 do sexo feminino. Também é comandado por uma mulher: procuradora Cristina Romanó.

O Ministério Público do Estado de São Paulo nunca teve uma mulher no cargo de procuradora geral. A procuradora de Justiça de São Paulo, Luiza Nagib Eluf, acredita que a falta de mulheres em cargos de comando é justificado justamente pelo fato de o crescimento das mulheres na área ser ainda recente. “É uma questão de tempo”, diz.

Na advocacia, segundo dados do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, dos 696.864 advogados em atividade no país, hoje, 312.712 são mulheres, o que representa quase 45% do total. Apesar de chegar próximo à quantidade de advogados, a representatividade da mulher nas presidências das seccionais é baixa. O Conselho Federal nunca foi presidido por uma advogada. As seccionais de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas, por exemplo, também só foram comandadas por homens. Diferente do Distrito Federal, em que a advogada Estefânia Viveiros esteve à frente da OAB-DF por dois mandatos, entre 2004 e 2009.

Ivette Senise foi a primeira mulher a dirigir a tradicional Largo do São Francisco. Ivette presidiu a faculdade de 1998 até 2002. “Uma série de situações favoráveis me levaram ao cargo”, diz, “por isso, é questão de tempo até que a Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo tenha uma presidente mulher”.

Gabriela Asmar é uma advogada que atua bem longe do Judiciário, como diretora executiva e mediadora da organização não-governamental Parceiros Brasil – Centro de Processos Colaborativos. A entidade tem 15 membros — desses, apenas três são homens. Ela acredita que a própria natureza do trabalho acaba selecionando as mulheres, embora acredite que “a mistura seja sempre saudável”.

“A atividade de mediação”, explica, “requer sensibilidade e uma multidisciplinaridade que a mulher tem”. “Atuamos nas áreas mais violentas do Rio de Janeiro, em escolas públicas. O trabalho acaba atraindo mais mulheres”, conta.

Algumas Defensorias Públicas são, atualmente, dirigidas por mulheres. É o caso da defensora pública geral de São Paulo Daniela Cembranelli, que está afastada para concorrer ao segundo mandato, e de Andréa Tonet de Minas Gerais. No Rio de Janeiro, há 989 defensores públicos entre ativos e aposentados. Neste universo, são 603 defensoras públicas, ou seja, cerca de 60% do total. Ainda não houve uma defensora pública geral no Rio.

Fonte: ConJur