Notícias | 18 de julho de 2011 15:33

Discussão sobre o desarmamento volta à agenda nacional

Em 11 de abril, ao entrar em uma escola pública de Realengo, no subúrbio do Rio de Janeiro, matar a tiros 12 crianças e, em seguida, cometer suicídio, Wellington Menezes de Oliveira recolocou na agenda nacional a discussão sobre o desarmamento. O assunto não é novo, foi alvo de uma consulta popular em outubro de 2005 sobre a hipótese de desarmamento total dos cidadãos, derrotada em um referendo onde ficou clara a opção do eleitor: 59,1 milhões de votos contra a proposta (63,91%) ante 33,3 milhões a favor (36,06%). Em 6 de maio, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, no embalo da tragédia carioca, lançou o governo do PT outra vez nessa empreitada, a segunda do gênero, em seis anos.

De lá para cá, empenhados 10 milhões de reais na nova ofensiva pelo desarmamento, o Ministério da Justiça envolveu uma série de parceiros institucionais e de entidades civis, entre eles a ONG Viva Rio e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que liberou as igrejas para servirem de ponto de captação de armas entregues pela população. Para cada uma delas, a depender do modelo, o governo prometeu pagar de 100 a 300 reais, com garantia de anistia penal imediata. Até agora, foram recolhidas 15 mil armas em todo o País. Apesar da boa intenção e da necessidade da campanha, o número é irrisório: equivale a 0,18% dos estimados 8 milhões de armas ilegais em circulação na sociedade brasileira.

Embora o Ministério da Justiça, nem no lançamento da campanha nem em nenhum momento posterior, tenha anunciado metas, os números magros de recebimento de armas têm potencial político para interditar de uma vez a discussão sobre desarmamento no Brasil. E de fortalecer o lobby da indústria de armamento, principal defensora do uso de revólveres, pistolas e rifles como instrumento de segurança pessoal. Em meio a essa guerra foram justamente eles, os lobistas, os primeiros a acusar o governo de usar de um golpe baixo para turbinar as estatísticas da campanha do desarmamento.

Com base em reclamações de usuários tradicionais de armas em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Maranhão e Distrito Federal, a Associação Nacional de Indústrias de Armas e Munições (Aniam) montou um dossiê com um rol de irregularidades apontadas pela entidade como prova da tentativa de o governo burlar a lei para salvar a campanha do desarmamento. A estratégia, acusa, tem o objetivo de, até março de 2012, forçar a devolução de cerca de 2 milhões de armas legalmente registradas, mas impossibilitadas de serem renovadas por causa de um súbito endurecimento da Polícia Federal no setor, por ordem de Cardozo, com base em interpretação própria sobre o Estatuto do Desarmamento.

“Como o governo não tem uma política de segurança pública clara, reage aos acontecimentos, como no caso de Realengo, e passa por cima da lei”, reclama Daniel Gomes Sampaio, consultor da Aniam. Delegado aposentado, Sampaio foi superintendente da Polícia Federal em Brasília e dirigiu o Comando de Operações Táticas (COT) da corporação por 16 anos. Segundo ele, como não consegue deslanchar a campanha do desarmamento, o governo decidiu arranjar um jeito de obrigar o cidadão a entregar as armas que possui sem respeitar a legislação aprovada pelo Congresso Nacional.

Ao se analisar os modelos de documentos distribuídos pelas superintendências da PF nos estados, a partir do Serviço nos quais só se muda o cabeçalho com os dados do requerente e o tipo de arma ao qual se refere a transação. Não importa quais sejam a demanda ou o tamanho da arma, a conclusão é sempre a mesma:

“Não preenchendo todos os requisitos legais, opina-se pelo indeferimento do pedido”. No caso de Fabrício da Silva Domingues, de Porto Alegre, ele não só teve o pedido de renovação indeferido como lhe foi dado um prazo de 60 dias para se desfazer da arma: vendê-la para alguém aprovado pela PF ou entregá-la em um posto da campanha de desarmamento.

Chefe do Sinarm, o delegado federal Douglas Saldanha anunciou, em seminário na Câmara dos Deputados, em 6 de junho, que a PF desenvolveu uma interpretação rigorosa do conceito de “efetiva necessidade” para autorizar o uso de armas. Isso para, por exemplo, negar armas de cano longo para quem vive em centros urbanos e dificultar a ação do tráfico de armas ilegais. A declaração do delegado foi interpretada pela Aniam como uma confissão de culpa. “Ele admitiu ter recebido orientação para dificultar o processo”, afirma o consultor Sampaio.

Responsável direta pelas políticas do setor dentro do Ministério da Justiça, Regina Miki, secretária nacional de Segurança Pública, diz que a campanha do desarmamento vai muito bem. Segundo ela, a escolha do lançamento da ação, depois do massacre de Realengo, foi pensada como estratégia. “A campanha já estava planejada, até com orçamento, só antecipamos porque a tragédia suscitou o debate”, afirma Miki. Ela diz desconhecer qualquer orientação dada à PF para dificultar o acesso a armas, embora seja notória defensora do desarmamento. “A indústria de armas, se achar que está ocorrendo algu¬ma infração, deve recorrer à Justiça”.

Fonte: Carta Capital