Brasil | 21 de agosto de 2018 16:06

Dez ideias do ministro Dias Toffoli para o CNJ e o Poder Judiciário

* ConJur

Dias Toffoli, futuro presidente do STF | Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

Durante seminário organizado pelo Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Direito SP (NEF/FGV Direito SP) em 28 de fevereiro, o ministro Dias Toffoli (presidente eleito do Supremo Tribunal Federal) deu contribuições para a pesquisa acadêmica e expôs algumas ideias para o STF e para o Conselho Nacional de Justiça. Com base nas ideias do ministro, os pesquisadores do NEF elaboraram dez propostas para a pesquisa empírica no Direito.

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Confira abaixo as ideias de Toffoli expostas em artigo, publicado nesta terça-feira (21) na revista eletrônica Consultor Jurídico (ConJur), escrito pelos pesquisadores Eurico Marcos Diniz de Santi e João Alho Neto:

1) Transparência do Poder Judiciário como estratégia do CNJ para promover o aumento do fluxo de informações, incentivando o exercício da pesquisa empírica em todas as universidades. Não podemos ficar presos ao passado, como no filme argentino (O Segredo dos seus Olhos, de Juan José Campanella com Ricardo Darín). Temos que olhar para o futuro e construir esperança como na Trilogia das Cores do cineasta polonês Krzysztof Kieślowski (A Liberdade é Azul [Trois Couleurs: Bleu, 1993], A Igualdade é Branca[Trois Couleurs: Blanc, 1993] e A Fraternidade é Vermelha [Trois Couleurs: Rouge, 1994]).

2) Tornar a jurisprudência objeto de pesquisa construtiva e prática para conhecimento da efetiva legalidade concreta aplicada pelos tribunais, implementando segurança jurídica.

3) Pesquisas de Direito devem estar voltadas ao desenvolvimento da sociedade brasileira, com relevância prática para os interesses da Nação.

4) Importância de incentivar think tanks em todo Brasil, a exemplo da FGV, para pensar o Brasil em suas complexidades e diversidades, considerando que a sociedade brasileira surge depois do Estado: o Estado veio antes.

5) A pesquisa empírica deve levar em consideração os processos históricos que interferem na formação das práticas do Direito Administrativo, como adverte Otto Mayer: “O direito constitucional passa, o direito administrativo fica”. Portanto, tão-somente a pesquisa multidisciplinar pode compreender a complexidade, a legitimidade e o realismo das demandas dos “estamentos ou grupos de interesse” como dado de fato do sistema brasileiro que se formou influenciado pelo patrimonialismo de Estado português.

6) As universidades, os think tanks e a sociedade devem se empoderar abraçando o Estado de modo a colaborar na construção de um projeto de futuro articulado e que leve em conta os interesses nacionais.

7) A análise de caso da Lei Saraiva (abolição do voto censitário versus proibição do voto dos analfabetos) revela a importância de se levar em consideração as estatísticas, os efeitos, os jogos de interesse e as consequências normativas: a pesquisa do Direito não pode ser autorreferencial.

8) É importante sistematizar e estudar a história do Supremo Tribunal Federal, relacionando os atores, personagens e movimentos sociais que levaram os casos à Suprema Corte.

9) A combinação entre transparência do Poder Judiciário e pesquisa empírica retroalimentam a capacidade de ver, julgar e agir dos próprios juízes: “Se você não tem base empírica como você vai fazer a análise valorativa de maneira correta, como vai julgar de maneira correta? É impossível”.

10) Temos que entender o perfil dos juízes brasileiros: quem são, de onde vêm, qual sua origem social, onde se formam, onde são recrutados e como se dá seu processo de socialização dentro das respectivas carreiras e como isso influencia o perfil macro da nossa Magistratura.

Pêndulo histórico e importância dos dados empíricos

Dias Toffoli, presidente eleito do Supremo Tribunal Federal, no evento “Transparência do Poder Judiciário e Pesquisa Empírica no Direito”, realizado na FGV Direito SP, em 28 de fevereiro de 2018, lança aos espectadores alguns questionamentos, os quais serão, por cada presente, respondidos e posteriormente debatidos.

Em primeiro lugar, questiona aos participantes (mesa composta por professores da FGV Direito SP) acerca da importância do Conselho Nacional de Justiça. Antes de apresentar seu entendimento, o Ministro traça um panorama histórico do desenvolvimento político-econômico do Brasil e suas implicações no desenvolvimento da sociedade brasileira. Evidencia, a partir de dados concretos, que na história brasileira perdura um pêndulo, entre a centralização e descentralização do Poder Político.

Define, nesse sentido, a criação do Conselho Nacional de Justiça como um período de centralização, em resposta à dominação do Judiciário pelas elites locais. É necessário, nesse contexto, um órgão da nação que imponha uma disrupção simbólica, com a finalidade de garantir a imparcialidade da Justiça.

O CNJ, conforme expõe o ministro, trás a ideia de um Judiciário nacional, que carrega consigo certas problemáticas, dentre as quais: a dificuldade de se reunir dados e de se criar um sistema único entre todos os tribunais, tendo em vista a autonomia administrativa conferida pela Constituição.

Em segundo lugar, pergunta aos participantes da mesa se a TV Justiça pode influenciar o comportamento dos ministros do Supremo Tribunal Federal. A resposta positiva é sintomática por parte dos presentes. O Ministro concorda que o mecanismo resulta na formulação de votos mais longos por parte dos julgadores, cuja exposição também é impulsionada. No entanto, entende que o julgamento em si não é influenciado.

Demonstra, sobretudo, como a TV Justiça atua pela democratização do Poder Judiciário. Gera transformação na cultura brasileira, introduzindo valores da Constituição Federal, mediante a exposição dos votos dos Ministros do STF à opinião pública, criando o paradigma de um Poder cada vez mais democrático e transparente.

Entende o papel fundamental da pesquisa empírica mediada pela inteligência artificial, propiciando maior e melhor integração de dados entre os diferentes tribunais. Isto facilita a análise sobre as decisões proferidas pelo Poder Judiciário de todo o Brasil. Além disso, a pesquisa empírica, sobre as decisões jurisdicionais, sistematiza padrões decisórios dos magistrados, revelando a fundamentação da legalidade concreta aplicada pelo Poder Judiciário na solução dos casos concretos e práticos, associando Direito e realidade nacional.

Em terceiro lugar, questiona os professores da FGV Direito SP acerca de seus respectivos posicionamentos sobre a Lei Saraiva de 1881, que foi responsável pela reforma eleitoral, acabando com o voto censitário no País. Um primeira percepção da indagação indica aspectos positivos advindos da Lei que deixou de associar o voto à renda dos indivíduos. Contudo, o Ministro invoca dados empíricos para demonstrar que após a edição da Lei Saraiva, na verdade foram as classes mais altas da sociedade que ganharam protagonismo nas eleições, uma vez que a Lei proibiu o acesso de analfabetos às urnas, que em 1881 representavam mais de 90% da população brasileira.

Prova, portanto, a importância dos dados empíricos para construção de um conhecimento mais próximo à realidade social. As decisões do Poder Judiciário são mais qualificadas quando levam em conta dados empíricos, possibilitando o conhecimento dos reais valores e fatos da sociedade. O ministro propõe, a partir do panorama apresentado, linhas de pesquisa que busquem estudar a história do STF a partir dos personagens e movimentos sociais que fizeram os casos chegarem à Corte Suprema.

Seminário FGV Direito SP: Transparência do Poder Judiciário e Pesquisa Empírica no Direito

O Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP, no âmbito do projeto de pesquisa Transparência e Sigilo nos Âmbitos Público e Privado, realizou, no dia 23 de fevereiro de 2018, o evento “Transparência do Poder Judiciário e Pesquisa Empírica no Direito”.

O debate tratou de problemas e soluções institucionais em relação à Transparência no Poder Judiciário. Buscou analisá-la sob as perspectivas normativa, política e acadêmica. Além disso, foram discutidos os principais desafios que envolvem a pesquisa empírica no direito e o papel do Conselho Nacional de Justiça nessa perspectiva.

Participou do seminário, na qualidade de conferencista inaugural, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, que a partir de setembro deve assumir a presidência da Suprema Corte e do CNJ. Entre as propostas formuladas pelo Ministro, tem-se a modernização da maneira de deliberação utilizada pelo Supremo. Uma forma de dinamizá-la seria, conforme propõe, passar o voto com antecedência entre os membros da Corte. Considera também ser necessário repensar o sistema de repercussão geral. No âmbito acadêmico, propõe um projeto de pesquisa que busque estudar a história do STF não pela perspectiva de suas decisões, mas a partir dos movimentos sociais que fizeram os casos chegarem à Corte Suprema.

O evento contou com a coordenação de André Rodrigues Corrêa (FGV Direito SP), Eurico Marcos Diniz de Santi (FGV DIREITO SP), Isaías Coelho (CCiF e FGV Direito SP) e Lina Santin (mestranda FGV Direito SP). Patrocínio da Associação dos Agentes Fiscais de Renda de São Paulo (Afresp).

O relatório de pesquisa elaborado pelos pesquisadores do NEF/FGV Direito SP tem como objetivo estruturar os principais pontos abordados pelos debatedores que compuseram a mesa do Seminário, permitindo que as colocações e debates travados no âmbito do evento sirvam de material de pesquisa para aqueles que se interessam pela temática da Transparência do Poder Judiciário e Pesquisa Empírica no Direito.

Clique aqui para ler o Relatório de Pesquisa.