Notícias | 16 de fevereiro de 2011 14:25

“Defensoria pública como curadora especial natural da criança”, por Siro Darlan

Siro Darlan – Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (7ª Câmara Criminal) e membro da Associação Juízes para a Democracia

A criança deve ser prioridade absoluta na elaboração de políticas públicas e seu interesse deve prevalecer em todas as decisões administrativas, legislativas e judiciais. Em todas as civilizações de todos os tempos essa máxima prevaleceu como forma de produzir uma sociedade saudável e respeitosa. Também esse princípio está na Constituição do Brasil, embora ainda não esteja presente em nossa prática cultural. O resultado, esta sendo experimentado quando se cultiva uma juventude envolta em todas as formas de violência e desrespeito e uma infância onde a violência doméstica, ou seja, produzida pelos pseudo protetores, predomina nas estatísticas criminais.

As crianças têm assegurados na lei vários direitos que ainda precisam ser concretizados através de um processo cultural de reeducação da sociedade, que necessita de uma conscientização coletiva que acolha a máxima da proteção integral aos seres em processo de desenvolvimento.

A Carta Magna prescreve que todos têm a obrigação cidadã de concretizar esses direitos e o legislador criou vários órgãos de atuação com essa finalidade. Uma delas, cujo objetivo e dar voz àqueles que possuem alguma incapacidade econômica, formal ou técnica, para se defender em juízo é a Defensoria Pública. Órgão que representa o Estado organizado para garantir o respeito a todos os cidadãos que necessitem recorrer ao judiciário para garantir o exercício de um direito violado ou ameaçado.

Existem milhares de crianças brasileiras que necessitam da proteção subsidiária do poder público em razão da negligência, violência ou abandono pela família. Muitas delas encontram-se vivendo nas ruas ou nas entidades de acolhimento público com seria afronta ao direito fundamental a conviver em uma família.

O artigo 12 da Convenção da Criança determina que os Estados devam assegurar à criança o direito de exprimir sua opinião livremente sobre todas as matérias e que sua opinião deverá ser considerada. Portanto para concretizar essa opinião, quando a criança está em conflito com a família que a abandona e o Estado que a aprisiona em entidades coletivas de acolhimento é a Defensoria Pública que deve atuar como seu Curador Especial natural para assegurar seus direitos de cidadania, sobretudo o da liberdade e da convivência familiar e comunitária.

Poderá alguns pretender restringir a atuação da defensoria pública afirmando que essa atribuição seria apenas do Ministério Público, por ser o natural guardião do respeito aos direitos das crianças e adolescentes. Entendo que essa interpretação restritiva afronta princípios constitucionais de proteção integral e do melhor interesse da criança, primeiro porque a lei não restringe a proteção integral, que por definição deve ser total, prioritária e irrestrita, e segundo porque a lei diz exatamente o contrário em vários dispositivos legais, como é exemplo o artigo 70 do ECA que prevê ser dever de todos a prevenção de ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente.

Aliás, ao invés do entendimento excludente, o que a Lei Maior prevê é o princípio da cooperação entre a família, o poder público e a sociedade, ou seja, todos somos responsáveis pela garantia da efetivação dos direitos de crianças e adolescentes.

Por outro lado, ao mesmo tempo em que, a lei prevê que ao Ministério Público compete zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e adolescentes, também atribui a promoção e acompanhamento dos procedimentos relativos às infrações atribuídas a adolescentes. Isso demonstra que a atuação ministerial pode em alguns momentos, por ação ou omissão, contrapor o interesse do Ministério Público aos reais interesses de crianças e adolescentes, sendo, portanto imperioso, como garantia do devido processo legal que a criança seja representada naturalmente por outro órgão defesa de seus interesses, no caso a defensoria pública.

Como a lei expressamente estabelece que deva prevalecer o interesse superior da criança em todas as decisões, inclusive as judiciais, o debate acadêmico sobre a atuação desse ou daquele órgão na defesa do interesse de criança e adolescentes é saudável como estudo e pesquisa doutrinários. Porém a decisão que melhor atende esse interesse nunca poderá ser restritiva uma vez que todos são carimbados pelo dever coletivo do principio de cooperação que nos obriga a efetivar prioritariamente os direitos de todas as crianças e adolescentes brasileiros.

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| “Saindo das cinzas”