Notícias | 02 de fevereiro de 2012 18:51

‘Não há crise no Judiciário’, diz Cezar Peluso

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cezar Peluso, aproveitou a reabertura do ano judiciário ontem para fazer uma defesa contundente do Poder e negar a existência de uma crise. Em meio a críticas de alguns setores da magistratura sobre os poderes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para investigar e punir juízes, Peluso disse que a corrupção deve ser combatida “sem tréguas” e elogiou a atuação do CNJ e das corregedorias dos tribunais na fiscalização de eventuais irregularidades que possam ser cometidas por magistrados. Para Peluso, que fez seu último discurso de inauguração dos trabalhos judiciários — ele deixa a presidência do Supremo em abril próximo —, este é o melhor Judiciário que o Brasil já teve.

—Temos ouvido, com surpresa, que o Poder Judiciário está em crise. Os mais alarmistas não excepcionam sequer os outros dois Poderes da República. Confesso que, alheio ao hábito da visão catastrófica dos homens e das coisas, não é assim que percebo o país, nem o Poder Judiciário — disse Peluso.

Fiscalização com agentes externos

Além de rechaçar a existência de uma crise no Judiciário, Peluso refirmou a transparência do Poder e o combate permanente à corrupção, o que, no seu entender, vem sendo feito pela magistratura desde as origens.

— A corrupção deve ser combatida sem tréguas, segundo os padrões da ética e do ordenamento jurídico. E é o que, desde as origens, tem feito a magistratura como instituição, à qual foi a primeira a criar, há séculos, as corregedorias com o propósito específico de zelar pela integridade de uma função indispensável ao Estado. Nenhum dos Poderes da República se reveste do portentoso aparato de controle, que, ao lado do controle dos patronos das partes e dos representantes do Ministério Público e no âmbito dos processos, cerca o Judiciário, mediante as corregedorias locais e regionais, dos tribunais superiores e do Conselho Nacional de Justiça, que à margem do contexto teórico do equilíbrio constitucional é o único órgão integrado por agentes externos a exercer continuamente fiscalização do próprio poder — afirmou Peluso.

| Confira aqui a íntegra do discurso de Peluso.

Sem citar nomes, Peluso lembrou do assassinato de quatro magistrados recentemente, reforçando que é uma atividade que exige coragem. Ele prometeu que o Judiciário continuará servindo à sociedade com “independência” e desencorajou o estímulo a críticas ferozes aos juízes. Segundo ele, “nenhum dos males que ainda atormentam a sociedade brasileira pode ser imputado ao Poder Judiciário”.

— Só uma nação suicida ingressaria voluntariamente em um processo de degradação do Poder Judiciário. Esse caminho nefasto, sequer imaginável na sociedade brasileira, conduziria a uma situação inconcebível de quebra da autoridade ética e jurídica das decisões judiciais, aniquilando a segurança jurídica e incentivando a violência contra juízes e exacerbando a conflituosidade social num grau insuportável. Significaria um retorno à massa informe da barbárie — discursou.

Para o presidente do STF, as cortes têm o dever de enfrentar críticas e pressões, mesmo que provenientes da maioria: — O papel das cortes constitucionais não significa apenas dever de tutelar direitos das minorias perante risco de opressão da maioria, mas também de enfrentar, não críticas ditadas pelo interesse público, mas pressões impróprias tendentes a constranger juízes e ministros a adotarem interpretações que lhes repugnam à consciência… Pressões, todavia, são manifestação de autoritarismo e desrespeito à convivência democrática.

Segundo o ministro, a legitimidade de o CNJ abrir processos contra magistrados não é o centro da questão, e sim quem está mais habilitado a fazê-lo. Peluso, que é o presidente do CNJ, defende que o conselho atue somente quando há omissão das corregedorias locais. Manifestando apreço pelo CNJ, no entanto, Peluso disse que não é só para conter abusos que o conselho existe, e citou diversas ações do órgão, como o mutirão carcerário, que libertou 21 mil pessoas que estavam presas ilegalmente nos últimos dois anos.

— Embora as tarefas fiscalizatórias chamem mais a atenção da sociedade, a atuação do CNJ como orientador da política nacional tem sido decisiva para os progressos do Poder Judiciário. No debate apaixonado em que se converteu a questão jurídica submetida ao juízo desta Corte, acerca do alcance e limites das competências constitucionais do CNJ, perde-se de vista que seu âmago não está em discutir a necessidade de punição de abusos, mas apenas em saber que órgão ou órgãos deve puni-los. Entre uma e outra coisa vai uma distância considerável — argumentou o ministro.

Peluso salientou que o Judiciário vem se aproximando da sociedade, mas que não é perfeito, como nenhum estrato da sociedade.

Ainda que uma vida exemplar e irrepreensível em todos os aspectos constitua, para os magistrados, um horizonte ou ideal permanente, a perfeição não é predicado inato de nenhum segmento da sociedade, composta por seres todos irremediavelmente falíveis — disse o ministro.

— É desta matéria prima comum, que certa concepção religiosa denomina de pecado original, que é formada a magistratura. Não surpreende, pois, se ressinta de defeitos e não seja invulnerável à corrupção. Mas a corrupção não é objeto de geração espontânea, nem resultado de forças estranhas à dinâmica social, senão produto das sociedades cuja cultura está em privilegiar, como objetivo primordial da vida, a conquista e o acúmulo, por qualquer método, de bens materiais, em dano dos valores da ética e da decência pública e privada — acrescentou.

Fonte: O Globo